Título: Encontros cinco meses antes da Satiagraha
Autor: Brito, Ricardo; Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 14/03/2009, Política, p. 6

Grampos

CPI constata que Protógenes e Lacerda estiveram juntos por três vezes. Prorrogada, comissão não encontrou muitas novidades em inquérito.

Cinco meses antes de deflagrar a Operação Satiagraha, o delegado Protógenes Queiroz visitou na sede da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) o então diretor-geral do órgão, Paulo Lacerda. Segundo os registros de acesso às dependências da agência em Brasília, em poder da CPI dos Grampos, Protógenes esteve com o chefe da Abin em três ocasiões. O primeiro encontro ocorreu na segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008, entre 11h05 e 12h30. Na terça-feira da semana seguinte, 4 de março, aconteceram mais dois encontros.

Somados os registros do segundo dia, Protógenes permaneceu na sede da Abin mais de sete horas e meia. O delegado registrou sua entrada naquele dia às 9h28 e depois saiu às 14h45. Cinquenta minutos depois, voltou ao gabinete de Lacerda, do qual saiu às 17h55. O delegado conduzia desde 2007 as investigações que culminaram na operação. No depoimento que prestou à CPI dos Grampos, em agosto passado, o hoje ex-chefe da Abin disse que apenas concordou com a consulta feita pelo então diretor-geral adjunto, José Milton Campana, sobre o pedido de Protógenes de colocar à disposição dele servidores da agência. Os registros confirmam a visita de Protógenes, uma vez que os gabinetes de Lacerda e Campana são em setores distintos: o do primeiro ficava no bloco A e o do segundo, no J.

Dois meses depois de falar à CPI, Lacerda depôs no inquérito que apura o vazamento de informações da operação Satiagraha, presidido pelo delegado Amaro Vieira. Na ocasião, o ex-chefe da Abin afirmou ter se reunido uma vez com Protógenes antes da operação. Segundo Lacerda, o delegado da Satiagraha queixou-se da falta de ¿apoio de material humano pela Polícia Federal¿. Lacerda aquiesceu com a cooperação, cujo recrutamento, segundo ele, ficou a cargo do ex-chefe do departamento de inteligência Paulo Maurício Fortunato.

Anulação A defesa do banqueiro Daniel Dantas tenta anular na Justiça as investigações contra o controlador do Grupo Opportunity. Os advogados de Dantas sustentam ser ¿ilegal¿ essa cooperação de servidores da Abin, uma vez que a agência legalmente não tem poder de polícia. Depoimentos de agentes colhidos pelo delegado Amaro Vieira sustentam que agentes usaram senhas de policias para acessar o programa de escutas telefônicas da PF, o Guardião. Dantas também foi acompanhado por arapongas durante quatro meses. Já se identificou a atuação de 80 agentes na operação policial.

Prestes a ser encerrada, a CPI dos Grampos prorrogou os trabalhos por mais 60 dias para analisar o inquérito do vazamento de informações, remetido na semana passada pelo juiz federal Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal de São Paulo. Integrantes da comissão esperavam encontrar provas robustas de que Protógenes grampeou ilegalmente autoridades dos três Poderes. Mas, após a análise do material, mostram certa frustração com a ausência de ¿grandes novidades¿ no inquérito.

A PF já indiciou Protógenes por quebra de sigilo de Justiça ao ter repassado detalhes da Satiagraha para uma emissora de TV. A pedido do Ministério Público Federal paulista, o juiz Ali Mazloum determinou à PF que ouvisse ¿imediatamente¿ Lacerda e mais uma vez Protógenes, que teve seu sigilo telefônico quebrado.

A CPI dos Grampos convocou Protógenes para depor em 1º de abril e, em princípio, Lacerda logo em seguida. O ex-chefe da Abin, que se prepara para assumir o cargo de adido policial em Portugal no próximo mês, enviou carta à CPI em que avisa já ter prestado todos os esclarecimentos. Lacerda disse que não vai comparecer à comissão. ¿Ele (Lacerda) é um homem público e a CPI tem autoridade judicial para convocar qualquer servidor¿, pondera o deputado Raul Jungmann (PPS-PE), integrante da CPI dos Grampos.

-------------------------------------------------------------------------------- Memória Ação ocorreu em julho

A Operação Satiagraha, desencadeada em julho do ano passado, surgiu a partir de outra ação da Polícia Federal que investigava crimes financeiros e espionagens. Além do banqueiro Daniel Dantas, foram presos o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o investidor Naji Nahas, entre outras pessoas, todas liberadas dias após a detenção. A investigação passou da alçada policial para a política, abrindo uma crise entre os três poderes a partir do momento em que surgiram suspeitas que escutas telefônicas do caso haviam sido feitas em torno de autoridades.

O caso se tornou ainda mais crítico quando veio à tona que espiões da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) participaram das investigações, inclusive com acesso a gravações dos principais alvos. Muitos vazamentos, inclusive de autoridades, foram atribuídos aos agentes da Abin, causando o afastamento de seu diretor, Paulo Lacerda, que depois pediu demissão e foi nomeado adido policial em Portugal. O delegado da Operação Satiagraha, Protógenes Queiroz também foi tirado do caso e de investigador passou a ser investigado por conta dos vazamentos. (RB e EL).