Título: Reforma polêmica na TV argentina
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 19/03/2009, O Mundo, p. 25

Cristina Kirchner apresenta projeto audiovisual, tendo como alvo o grupo Clarín

Em mais um capítulo da guerra entre o casal Kirchner e a imprensa de seu país, a presidente argentina apresentou ontem um projeto de Serviços de Comunicação Audiovisual, que será enviado ao Congresso para substituir a atual Lei de Radiodifusão, aprovada durante a ditadura militar. Os principais objetivos de Cristina são combater o que ela chama de monopólios (o número de licenças por empresas será reduzido de 24 para dez) e ampliar a participação de empresas públicas e organizações sociais (sindicatos, universidades e cooperativas) no mercado das comunicações audiovisuais. Segundo informações extraoficiais, o documento incluiria, ainda, a possibilidade de que empresas de serviços públicos (basicamente companhias telefônicas) possam ser fornecedoras de TV a cabo.

O projeto foi interpretado por analistas e dirigentes opositores como uma jogada do governo para prejudicar o poderoso Grupo Clarín, dono de jornais, canais de TV e rádios. Importantes líderes da oposição, entre eles a ex-candidata à Presidência Elisa Carrió, alertaram para o perigo de que esta medida tenha como objetivo principal o maior controle dos meios de comunicação e também a criação de novos veículos aliados à Casa Rosada. Cristina defendeu seu projeto:

- A expressão não pode ser monopolizada por um setor ou uma empresa - disse, diante de uma plateia integrada por governadores, celebridades locais, Avós da Praça de Maio e seu marido e antecessor, o ex-presidente Néstor Kirchner.

Medida afeta transmissão de jogo

Cristina afirmou esperar que "cada um aprenda a pensar por si mesmo e não como indicam rádios e canais de TV". O texto do projeto indica que "será impedida a formação de monopólios e oligopólios. Será promovido o pluralismo do espaço e dos serviços de comunicação audiovisual".

- Pela primeira vez, igrejas, universidades, fundações, sindicatos, organizações sem fins de lucro terão acesso a um sinal de transmissão, um lugar onde expressar o que pensam e sentem - explicou Cristina.

A iniciativa do casal K pretende dividir o controle do espaço audiovisual do país em três partes iguais: 33% a ser comercializado pelo setor privado, 33% para o Estado e outros 33% para o setor privado não comercial, como sindicatos e cooperativas. Hoje, em torno de 95% do espaço estão em mãos de empresas privadas.

- Que 33% do espaço audiovisual da Argentina passe a ser para organizações sem fins de lucro nos dará uma garantia - enfatizou a presidente.

A decisão de anular a proibição para que companhias telefônicas possam participar no mercado de TV a cabo (permitindo o chamado Triple Play, ou seja, que uma empresa possa fornecer telefonia, TV a cabo e internet), seria um dos principais golpes ao Grupo Clarín, hoje dominante no setor. A intenção da Casa Rosada, informaram jornais, seria impedir que fornecedores de TV a cabo controlem mais de 40% das assinaturas do país (o Grupo Clarín detém quase 70%).

A guerra entre Kirchner e o Clarín acabou contaminando o debate sobre uma lei considerada necessária por muitos. Quando a norma em vigência foi aprovada, no início da década de 80, nem mesmo fax existia no país. No entanto, os constantes ataques do ex-presidente ao Clarín e a dificuldade cada vez maior dos jornalistas do grupo de ter acesso a informações oficiais e à cobertura de atos públicos provocou uma forte reação contra o projeto de lei, que nos próximos dois meses será protagonista de uma campanha nacional de debates públicos. A perseguição do casal aos principais meios de comunicação já foi denunciada por entidades argentinas e também pela Sociedade Interamericana de Imprensa.

Cristina defendeu enfaticamente o projeto, que também prevê a intervenção do Estado na divulgação audiovisual de jogos de futebol, negócio hoje controlado pela empresa Televisão Satelital Codificada (TSC), do Grupo Clarín e da empresa Torneios e Competências. De acordo com o projeto, "os jogos de futebol relevantes poderão ser vistos por TV aberta".

Enquanto o Congresso se prepara para debater o novo projeto da Casa Rosada, ontem a Câmara deu sinal verde ao pedido da presidente para antecipar as eleições legislativas de outubro para junho. O governo conseguiu aprovar, depois de nove horas de intenso debate, o projeto por 136 votos a favor e 109 contra. O mais provável é que também seja aprovado no Senado.

Em momentos em que o governo está às voltas com conflitos que aumentam a cada dia, o Congresso se transformou num dos principais centros de disputa entre o casal Kirchner e seus opositores. Os produtores rurais anunciaram novos protestos e exigiram ao Congresso que seja aprovada uma lei para eliminar os tributos às exportações ao setor. A manchete de ontem do jornal "Crítica" reflete o clima: "Peça seu Rivotril. Hoje será realizada a praça da insegurança, Cristina lança a lei para brigar com o Clarín, o campo inicia uma mobilização nacional e a Câmara vota as eleições antecipadas".