Título: Congresso perde grandeza e prestígio
Autor: Vasconcelos, Adriana; Fernandes, Diana
Fonte: O Globo, 22/03/2009, O País, p. 3

Historiadora diz que denúncias podem levar a movimento por mais transparência.

O mau uso dos recursos públicos está no centro dos últimos escândalos que roubaram a cena do Congresso. Para a historiadora Isabel Lustosa, a natureza das denúncias, como o pagamento de horas extras no recesso, causa indignação. As práticas dos políticos em Brasília, no entanto, ainda estão longe de mudar. A boa notícia é que as denúncias podem levar os eleitores a exigir mais transparência, acredita ela.

Por que as regalias e os gastos indevidos dos parlamentares têm durado tanto tempo? O que explica, desde a retomada da democracia, a permanência de todos esses excessos?

ISABEL LUSTOSA: Essa distorção foi se configurando ao longo do tempo. Cada trem da alegria se transformou num tentáculo, que virou um direito, um bem adquirido que fica difícil de ser cortado. O resultado é um grande polvo. A indignação da população com horas extras, por exemplo, tem a ver com isso. As grandes questões não são vistas em pauta. Desde as Diretas, da luta pela anistia, você não vê o Congresso envolvendo a nação. Vira uma casa de coisinhas locais, de briguinhas. Perde grandeza e prestígio.

Mas depois de sucessivas eleições livres, o nível dos deputados e senadores não deveria ter melhorado um pouco?

ISABEL: Ainda existem lideranças locais dos movimentos populares no Congresso. Mas o perfil desses grupos foi esvaziado nos últimos 20 anos. Há uma classe política formada nessas práticas. Mesmo quando o sujeito é acostumado com outra cultura, ele tem que se adaptar ao chegar a Brasília. As representações das classes ruralista e empresarial sempre fizeram pressão, isso faz parte da história dos parlamentos. É a maneira como foi determinada a cultura clientelista dentro da própria Casa. Um espécie de nicho que se cristalizou na política.

E tende a ficar cristalizado?

ISABEL: Todo mundo tem a sua meia dúzia de diretores. E está na cara que são resultado de divisões. Esses cargos foram sendo trilhados. Digamos que um parlamentar ache isso absurdo, mas, como faz parte da comissão tal, não vai denunciar. Ficam todos aprisionados. Denúncias como as feitas pelo Jarbas Vasconcelos caem no vazio. Mesmo assim, o próprio Jarbas faz parte de um quadro político construído nesse ambiente. É uma realidade desde o tempo da ditadura e acabou aumentando de tamanho, uma espécie de condomínio. O Parlamento foi criado para romper com a tradição absolutista de misturar o público e o privado. Os cargos viram objeto de negociação, e o Congresso acaba caindo em descrédito.

A reforma política seria o melhor caminho?

ISABEL: Antes de se falar de uma reforma política, é preciso pensar administrativamente o Congresso. Há figuras histórias que têm vontade de melhorá-lo. Mas há um tipo de deputado que só tem compromisso com a sua localidade, não pensa nacionalmente. Esse parlamentar do castelo (Edmar Moreira) era uma figura completamente desconhecida. Se não tivesse virado corregedor, não seria investigado. Ele achou que poderia se dar ao luxo de se tornar uma pessoa nacional. Mas muitos deles passam, e continuam desconhecidos. Desde o tempo do Collor houve uma campanha contra os marajás, que se centrou no Executivo. Mas o Legislativo ficou como uma caixa-preta. São feudos, pequenos baronatos. Os presidentes das duas Casas não têm poder de controle. Isso cria espaço para um permanente jeitinho.

E os eleitores? Ainda têm entusiasmo para reagir?

ISABEL: Estão divididos em dois extremos. Um deles fica no moralismo exagerado da linha udenista que chama todos os políticos de ladrões. O outro é a relativização do caos, que permite todas essas barbaridades. Essa cultura pode ser modificada, ficar mais ética. Mas isso só ocorre com a práticas da cidadania. O processo de agora pode funcionar como uma caixa de ressonância para exigir mais transparência.