Título: Obama-Lula: uma nova entente?
Autor: Saraiva, José Flávio Sombra
Fonte: Correio Braziliense, 14/03/2009, Opinião, p. 27

Ph. D. pela Universidade de Birmingham (Inglaterra), professor titular do Instituto de Relações Internacionais da UnB e pesquisador 1 do CNPq

Os encontros presidenciais bilaterais entre governantes do Brasil e dos Estados Unidos suscitam, historicamente, suspeitas conspiratórias ou esperanças irrealizáveis. Ora servem aos seus concidadãos por meio dos resultados que se espraiam de forma benéfica, ora são retóricas protocolares.

Exemplos não faltam. Vargas foi útil a Roosevelt. O chefe de Estado norte-americano fez do encontro com Getúlio Vargas o acerto do apoio brasileiro aos Estados Unidos e aos aliados na Segunda Guerra Mundial. Roosevelt respondeu positivamente aos interesses brasileiros voltados ao projeto de industrialização na periferia do capitalismo.

O encontro Vargas-Roosevelt foi sucedido pelo pífio desempenho do arranjo Dutra-Truman. Juscelino substituiu ententes com os americanos pela via do caminho europeu. Os militares forjaram certa autonomia decisória em política externa e diversificação de parceiros internacionais. Geisel não quis saber dos Estados Unidos e não desejou pisar solo ianque. Buscou alemães e japoneses para o crédito, o investimento e a tecnologia. A redemocratização do Brasil coincidiu com a crise do nacionaldesenvolvimentismo. O Brasil esmoler teve que se adaptar a uma agenda mais ativa de valorização de sua oportunidade na globalização. Não foi fácil acertar o compasso com a onda liberal patrocinada por Washington. A Cardoso tocou, em plena era Clinton, certa resistência ao projeto norte-americano da Alca, nocivo aos interesses nacionais.

O que faz Lula em encontro bilateral com o presidente Obama? Nasce uma entente americano-brasileira? Habilita-se o Brasil, por mandato deles, a ser os Estados Unidos do Sul? Duas dimensões poderão ser úteis aos historiadores do futuro, quando a emoção baixar e os brilhos dos palácios fenecerem, e quando a lista anterior tiver que ser acrescida pela real contribuição do presidente Lula às relações bilaterais EUA-Brasil.

Em primeiro lugar, o encontro com Obama ocorre em contexto de declínio e não de ascensão do poder americano no mundo. Lula encontra melhor espaço de manobra para agir no tabuleiro global e nas relações diretas com o gigante do norte. O mundo mudou e o lugar dos EUA é menor que o de Roosevelt, Nixon ou Clinton.

Lula, nesse sentido, não necessitará ensaiar qualquer entente com os Estados Unidos, no momento. Deve cuidar dos interesses nacionais brasileiros, especialmente diante das saídas nada simpáticas ao Brasil que o presidente Obama ensaia em meio à crise: mais protecionismo comercial, lentidão na implementação de medidas para tornar menos vulnerável a crise americana que se alastrou pelo mundo, bem como o fim da terceirização industrial que implicará maior industrialização dentro dos EUA e para os americanos seus empregados. Esses três aspectos tocam diretamente nas visões multilaterais do Brasil, confrontam os interesses liderados pelo Brasil na Rodada Doha e separam os Estados Unidos das posições do G-20 na acepção que a ele confere o Brasil.

Em segundo lugar, e apesar do início do declínio, os Estados Unidos ainda seguem muito importantes. O Brasil não pode menosprezar o peso de algum entendimento com a nação grande do norte das américas e os interesses de lá. O Brasil, sem o crédito internacional, tende a cercear o ciclo virtuoso de crescimento da primeira década do século 21, e que teve os Estados Unidos um dos seus fomentadores.

No mapa internacional, o Brasil ainda necessita dos votos norte-americanos em matérias como energias novas, concepções acerca do comércio internacional, peso dos emergentes em matérias de interesse global, entre outros temas. O monitoramento realizado pelo Brasil no seu entorno é área na qual pode e deve haver entendimento de Lula com Obama. O Brasil vem gradualmente habilitando-se para esse papel, sem alardes ou bravatas, como demonstrou recentemente na participação do resgate, discreto, de reféns das Farc na Colômbia. Ou no esforço de moderação dos exageros de governantes dos Andes. Ou na paciência da pedagogia da integração, algumas vezes difíceis diante das diabruras de algum vizinho.

Em síntese, nem tanto lá nem tão longe de lá. A sedução do novo governante norte-americano, homem bom, não deve ser confundido com os interesses em disputa. Alguns desses interesses não são tão bons. Não é hora para entente precipitada por esperanças irrealizáveis.