Título: Muito déficit, pouca casa própria
Autor: Beck, Martha; Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 22/03/2009, Economia, p. 29

Foco de pacote habitacional é conter crise no setor.

Otão esperado pacote habitacional, previsto para ser anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na próxima quarta-feira, será um conjunto de medidas pontuais que estão longe de solucionar o déficit habitacional brasileiro, calculado em oito milhões de moradias. O plano prevê pesados subsídios e desonerações para estimular a construção de um milhão de casas até o fim de 2010. No entanto, com especialistas e representantes do setor privado, os próprios técnicos do governo admitem que a ação é mais uma forma de ajudar o setor da construção civil - essencial para a geração de empregos e para puxar a economia num momento de crise - do que um plano de longo prazo para permitir que os brasileiros realizem o sonho da casa própria.

A despeito dos subsídios vultosos, que podem superar R$24 bilhões, incluindo R$12 bilhões do FGTS até 2011 e recursos do Fundo Soberano, não há no pacote vinculações para garantir, por exemplo, a manutenção dos benefícios no futuro. Isso significa que não está assegurado que o sucessor de Lula dará continuidade ao programa. O presidente tem evitado falar em datas pós-2010.

- Se o próximo governo não quiser manter esse tipo de subsídio, não há nada que se possa fazer - admite um técnico da equipe econômica.

Já existe, aliás, um instrumento para atacar o déficit de moradias: o Plano Nacional de Habitação (PlanHab), lançado em 2007 com o objetivo de direcionar melhor os recursos para habitação. Mas, até agora, nada saiu do papel. A proposta era pôr esse programa em funcionamento no início deste ano, já no bojo da crise, mas a ideia foi abandonada. Apenas alguns princípios do plano, como o foco na baixa renda, com a concessão pesada de subsídio, foram absorvidos pelo pacote habitacional.

- O plano do governo é insuficiente para zerar o déficit habitacional brasileiro. Precisamos ter uma política efetiva para resolver esse problema, que atinge principalmente famílias mais pobres. Só vamos conseguir isso com a destinação obrigatória de recursos, por parte da União, dos estados e municípios - disse Miguel Lobato, representante do Movimento Nacional de Luta pela Moradia.

- O Plano Nacional de Habitação, que prevê a perenização dos recursos no setor, não foi considerado pelo governo nesse pacote. Sem continuidade, não é possível enfrentar o déficit. Entendo o pacote como uma ação antirrecessão - reforçou a professora de Planejamento Urbano da USP Ermínia Maricato.

Plano "tem caráter emergencial na crise"

Para ter uma política de Estado de combate efetivo ao déficit habitacional, o governo precisaria trabalhar para aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Moradia Digna, que obriga União, estados e municípios a aplicarem todo ano um percentual das receitas no setor, defendeu Carlos Marun, presidente do Fórum Nacional de Secretários de Habitação e Desenvolvimento. Esta é também a avaliação da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic). O presidente da Cbic, Paulo Safady, lembra que as reuniões entre o setor da construção civil e o governo para tratar do pacote não abordaram a questão do longo prazo.

- Ficou claro que o pacote teria um caráter emergencial por causa da crise - disse Safady.

Segundo ele, o ideal seria que o novo pacote tivesse ao menos uma indicação futura para o combate ao problema do déficit habitacional no prazo mais longo. Entre as propostas da Cbic para tratar do problema habitacional no Brasil estão a desburocratização dos recursos públicos destinados à habitação e desoneração das casas populares.

Para o líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), o programa habitacional do governo não vai resolver o déficit habitacional do país, nem a curto prazo, porque não terá a participação efetiva de estados e municípios, que enfrentam problemas de caixa ou estão quebrados mesmo. Sem eles, disse, é impossível enfrentar o problema, porque isso exige desoneração expressiva de impostos e doação de terrenos com infraestrutura.

- É mais uma peça de marketing do governo - criticou Agripino.

O representante da CUT no Conselho Curador do FGTS, André de Souza, também não vê no plano do governo uma política de longo prazo, estruturada com estados e municípios, para enfrentar para valer o déficit de habitação. Apesar dessa mazela afetar milhões de famílias pobres, ele reconhece que o governo Lula não tem, hoje, como dar passos maiores:

- Uma política de longo prazo demandaria tempo. O que o governo quer fazer é ação anticíclica para gerar emprego e renda.

O coordenador do PlanHab, professor Nabil Bonduki, preferiu não se manifestar antes do anúncio do pacote, mas disse esperar que as medidas contribuam para implantar uma política de longo prazo para o setor. Foi para isso que o governo criou no início da gestão, em 2003, o Ministério das Cidades. Mas diante das resistências da Fazenda e praticamente no fim do mandato, esse objetivo não deve ser atingido. Procurado, o Ministério das Cidades não se manifestou.