Título: Ação contra a crise
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 14/03/2009, Mundo, p. 28
VISITA AOS EUA
Antes de viajar a Washington para se encontrar hoje com Barack Obama, presidente Lula denuncia o protecionismo e o considera um ¿um desastre para a economia¿ do planeta a médio prazo.
Primeiro presidente de um país em desenvolvimento a entrar na Casa Branca desde a posse de Barack Obama, o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva levará ao colega a preocupação com as medidas protecionistas tomadas em tempo de crise. Antes de sair de Brasília, na tarde de ontem, ele afirmou que ¿vai conversar muito sobre a crise econômica¿ e colocar em pauta o restabelecimento do crédito internacional e a conclusão da Rodada de Doha, que visa diminuir as barreiras comerciais em todo o mundo. Mas não só a economia terá lugar. A questão energética, a Cúpula do G-20 em Londres (2 de abril) e temas regionais também entrarão na agenda. Se sobrar espaço no curto encontro ¿ sozinhos, os dois só devem ter 20 minutos de conversa ¿, Lula ainda deve interceder por Cuba e pela Venezuela, enquanto é possível que Obama peça mais informações sobre o caso do menino Sean Goldman, que está no Brasil e é filho de um americano que briga pela sua guarda.
O encontro, no entanto, terá um formato diferenciado das tradicionais reuniões entre chefes de Estado. Além da conversa a portas fechadas entres os dois presidentes, os ministros da Casa Civil, Dilma Rousseff, e das Relações Exteriores, Celso Amorim, também participarão de conversas com a equipe do governo americano, que reservou uma hora na agenda do presidente para a comitiva brasileira. Para Amorim, o fato de o encontro ter sido marcado para um sábado, teoricamente um dia mais ¿livre¿ para Obama, mostra a disposição em fazer um reunião sem ¿pressões¿ de outros compromissos. ¿Isso permitirá uma boa conversa¿, opinou.
A expectativa é das melhores no Planalto. Lula chegará à Casa Branca sem medo de tocar em temas espinhosos como as medidas protecionistas tomadas pelo governo americano. ¿Agora, no primeiro calo que começa a doer, eles acham que tem de voltar o protecionismo. (¿) Nós precisamos deixar claro que o protecionismo pode ajudar momentaneamente, mas no médio prazo o protecionismo será um desastre para a economia mundial¿, afirmou.
Thomas Shannon, subsecretário de Estado para o Hemisfério Ocidental, acredita que o encontro servirá para ¿abordar a crise econômica, tanto nacionalmente, com pacotes de estímulo, como por meio de ação internacional coordenada¿. ¿É uma oportunidade para fortalecer a importante relação que temos com o Brasil¿, disse Shannon, que classificou as recentes ações positivas de Washington em relação ao Brasil ¿ como encontros bilaterais e telefonemas ¿ como um reconhecimento da ¿ascendência do país¿ no mundo.
Especialistas são unânimes em definir este como um dos melhores momentos na relação dos dois países. No entanto, alguns defendem que é preciso cautela para saber a hora de tratar de assuntos mais complicados, como a conclusão de Doha e a reforma no Conselho de Segurança da ONU. ¿Há uma expectativa positiva, mas temos de ser realistas. A grande sinalização será da continuidade desse clima positivo, do aprofundamento do diálogo entre os países, principalmente nas questões sul-americanas¿, afirma a professora de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista Cristina Pecequilo.
¿Em comparação com o governo Bush, a política americana sobre o Brasil e a região vai ser mais pragmática e menos ideológica. Há grandes de áreas de interesses convergentes. Além da energia e das finanças, se a administração Obama se tornar realmente engajada no debate sobre mudanças climáticas, então obviamente o Brasil se tornará um parceiro fundamental na região¿, opina o brasilianista William Smith, da Universidade de Miami.
O QUE SERÁ CONVERSADO
Crise financeira Lula abordará com Obama medidas que podem reverter as restrições ao crédito e deve sugerir que os Estados Unidos não adotem políticas mais protecionistas devido à turbulência econômica. O plano de socorro financeiro da Casa Branca incluiu a cláusula Buy American, que prioriza a compra de matérias-primas americanas em detrimento de estrangeiras.
Etanol É um tema de consenso. Ambos pretendem falar sobre a necessidade de promoção dos biocombustíveis em todo o planeta, para reduzir a dependência de petróleo e combater as mudanças climáticas.
Cuba O presidente brasileiro levará a Obama um apelo de vários governos latino-americanos pelo fim do embargo a Cuba, iniciado na década de 1960.
Venezuela Lula recebeu sinal verde de Caracas para pedir que os Estados Unidos busquem um diálogo conciliador com o regime de Hugo Chávez.
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Entrevista - roberto abdenur
Não espero nada de espetacular
Embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre 2004 e 2007, Roberto Abdenur confessa que aguarda ¿com interesse¿ o resultado do primeiro encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Barack Obama. Ele, que acompanhou de perto a aproximação entre os dois países iniciada no governo de Bush, vê com otimismo o futuro das relações bilaterais nos próximos quatro anos. ¿Mas não espero nada de espetacular¿, assegura.
Em entrevista a um jornal americano, o presidente Lula disse acreditar que as relações entre Brasil e EUA serão ¿infinitamente melhores¿ com Obama. O senhor acredita que isso seja possível? Inegavelmente, a relação entre Brasil e EUA fez muitos progressos na era Lula-Bush. Citando o presidente Lula, ¿nunca antes na história¿ as relações entre os dois países foram tão estreitas. Hoje, elas têm uma base mais sólida e são conduzidas por ambas as partes de maneira muito pragmática. Estou otimista com o futuro entre EUA e Brasil, mas não espero nada de espetacular. A crise impõe certas limitações aos dois lados, mas ela também abre mais espaços para avanços na relação bilateral.
A ¿afinidade de pensamentos¿ entre os dois presidentes pode ajudar na aproximação? A química Lula-Obama será boa porque há maior convergência de ideias. Mas eu diria que mesmo que os dois não se dessem bem, as relações iriam avançar pela força dos fatos. Hoje o Brasil é visto como um país de importância estratégica para os EUA e estável. No establishment americano ¿ governo, Wall Street, mundo acadêmico e mesmo no Congresso americano ¿ há amplo reconhecimento de que o Brasil é um país diferenciado dentro da América Latina, com crescente importância tanto na economia quanto na política internacional.
Quais são as áreas em que a relação deve avançar mais? Uma área em que há um horizonte muito amplo de diálogo e cooperação é a energia. E energia no sentido mais amplo, com o etanol, o hidrogênio e na pesquisa conjunta da segunda geração do etanol (a partir da celulose). Logo que saí da embaixada em Washington, foram formalizadas duas importantes iniciativas no plano bilateral: uma cooperação para a internacionalização do etanol e o entendimento para criar um fórum de CEOs (presidentes de grandes empresas), o que tem avançado bem. No caso do etanol, a cooperação continua, mas houve mudança drástica por força da crise internacional.
Além da questão energética, que outros temas deveriam ser discutidos no encontro de hoje? Os dois falarão sobre questões regionais, a reunião do G-20, que será realizada em 2 de abril em Londres, e o tema mais amplo da crise financeira. Existe o tema da reforma no Conselho de Segurança, que é uma causa justíssima, mas eu tenho dúvidas de que esse seja o momento de falar sobre isso. (IF)