Título: 34 bi sem hora para acabar
Autor: Doca, Geralda; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 26/03/2009, Economia, p. 21

Pacote habitacional corresponde a 19,4% dos gastos com reajuste de servidor. Governo abre mão de prazo

Após quatro meses em elaboração, o governo lançou ontem seu pacote habitacional, com prioridade para famílias que ganham até seis salários mínimos. Essa faixa receberá, entre recursos orçamentários e do FGTS, R$26 bilhões em subsídios à prestação da casa própria, que terá custo mensal mínimo de R$50 e máximo de R$558 e só começará a ser cobrada na entrega das chaves. No total, serão R$34 bilhões. Apesar de apresentado como ousado, o valor equivale a apenas 19,4% dos R$175,5 bilhões que os reajustes do funcionalismo civil e militar custarão aos cofres públicos entre 2008 e 2012. Segundo técnicos do governo, para entregar um milhão de casas no segundo mandato - no que especialistas não acreditam -, o governo precisaria construir em um ano e meio mais de sete vezes o número de unidades de 2008 (135.929, com recursos do FGTS), o melhor ano da era Lula. De 2003 até o último dia 24, foram construídas 751.075 casas com recursos do FGTS.

Na faixa até seis salários mínimos (R$2.790), 800 mil famílias serão beneficiadas pelo programa, batizado de "Minha casa, minha vida", do total de um milhão. Mas, ao anunciar o programa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu que não há mais prazo para entregar as unidades, inicialmente projetadas para o fim de seu segundo mandato, em dezembro de 2010.

O grupo entre seis e dez salários terá redução significativa - de até 81%, dependendo da idade - do seguro embutido nas prestações. E terá acesso ao fundo garantidor que honrará as prestações em caso de inadimplência, por até 36 meses.

Lula e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, admitiram que o objetivo principal é enfrentar a crise.

- O programa é quase emergencial, como resposta, de um lado, à crise econômica mundial e, de outro, para resolver parte dos problemas da moradia de alguns brasileiros - afirmou Lula. - Um milhão de casas é um desafio que, a princípio, imaginávamos que fosse possível cumprir em dois anos. Não tem limite, não tem data. Portanto, ninguém me cobre que nós vamos fazer um milhão de casas em dois anos.

Mas a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, ressaltou que isso não exclui a meta de atenuar o déficit habitacional de 7,2 milhões de moradias:

- Este é um processo para enfrentar a grave questão habitacional que se acumulou no Brasil ao longo dos últimos 25, 30 anos. A última vez que se fez plano de habitação no Brasil de forma efetiva foi na época do BNH.

Mantega prevê efeito positivo no PIB

Para driblar a pressão de estados e municípios, os recursos serão distribuídos conforme o déficit habitacional. Por isso, Sudeste e Nordeste terão mais unidades: 363 mil e 343 mil, respectivamente.

Em 2009, o governo vai destinar inicialmente R$6 bilhões do Orçamento para os subsídios. A contribuição do FGTS este ano será de R$4 bilhões, de um total de R$7,5 bilhões. Para cumprir a meta, o governo já admite usar parte dos recursos do Fundo Soberano. Segundo Mantega, vale o esforço. Ele disse que, segundo dados da Fundação Getulio Vargas, o programa pode gerar 1,5 milhão de empregos e movimentar R$60 bilhões, com impacto positivo de 2% no Produto Interno Bruto (PIB).

Se aplicasse em habitação os R$175,5 bilhões comprometidos com o reajuste de 1,6 milhão de servidores públicos entre 2008 e 2012, o governo poderia quintuplicar a meta anunciada de moradias, para cinco milhões.

Até 13 de abril, haverá esclarecimentos sobre o pacote. A partir de então, começam a ser recebidos os projetos. Lula cobrou a participação do setor privado, dos governos regionais e da própria União e ordenou a criação de um comitê de acompanhamento. Ainda deu um recado à Caixa:

- Na teia de aranha da máquina pública brasileira, e não por maldade da máquina pública, mas da sociedade brasileira, que a tornou assim, cada nó é um empecilho. Precisamos evitar que os papéis fiquem correndo de mesa em mesa 60, 90, 100 dias. Senão o dinheiro vai ficando com cheiro de mofo.

Quem ganha até três salários mínimos (R$1.395) terá um subsídio quase total, sem cobrança do seguro. De três a seis salários, o subsídio varia com a capacidade de pagamento, de R$2 mil a R$23 mil. As prestações podem comprometer no máximo 20% dos ganhos, e os juros serão reduzidos (entre 5% e 8% ao ano).