Título: O alvo deve ser a família
Autor: Garcia, Marcelo
Fonte: O Globo, 28/03/2009, Opinião, p. 7

Existem técnicos que estudam a pobreza no Brasil e que identificam a transferência de renda como a principal estratégia para combater a extrema pobreza. Daí o alto investimento do orçamento social do governo federal em três programas centrais: Bolsa Família, Benefício da Prestação Continuada (BPC) e Renda Mensal Vitalícia.

Os programas de transferência de renda tiveram origem em meados dos anos 90. O então governador Cristovam Buarque desenvolveu o Bolsa Escola, no Distrito Federal, e o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso implantou o Programa Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil e o BPC da Assistência Social, este último voltado para idosos e portadores de deficiência sem renda comprovada.

Desde então, estes mecanismos foram sendo fortalecidos e aperfeiçoados.

Hoje temos, sem dúvida, sólidos programas de transferência de renda. Mas seria isso suficiente para que a extrema pobreza estivesse sendo redefinida e resignificada, no Brasil? Todos os organismos internacionais apontam que as pessoas vivem na extrema pobreza quando ganham menos de um dólar por dia.

Com a valorização, em um ano, da moeda norte-americana em cerca de 50%, será que tivemos uma retomada de muitas famílias vivendo na extrema pobreza? É possível que sim! Mas a saída desta família da extrema pobreza não teria sido uma saída artificial se levássemos em conta apenas a renda?! Tenho discutido a urgência de construirmos no Brasil o conceito de ¿Seguranças Sociais¿. Renda, sem dúvida, é uma segurança fundamental, mas ela, isolada de outras, não traduz que estamos ganhando a batalha contra a extrema pobreza. Precisamos agregar e discutir seguranças como Habitação, Trabalho, Escolaridade, Saneamento...

Não podemos ter uma pessoa com renda superior a um dólar por dia, vivendo em uma casa sem banheiro, e acharmos que ela não experimenta em seu cotidiano as mazelas da extrema pobreza. Ou podemos? Qual é a ¿Agenda Social¿ que o Brasil deve adotar? Em geral, os governos e estudiosos fazem programas e propostas e os levam para as famílias. Não deveríamos fazer ao contrário? As famílias pobres nos mostram suas inseguranças e nós vamos atrás das soluções? A ¿Agenda Família¿ é isso: cada família indica até cinco prioridades e in/p>

seguranças para que, ao longo dos quatro anos do governo de um prefeito, de um governador de estado e de um presidente da República, possamos avançar e resolver os vazios desta família que vive ¿ ou sobrevive ¿ na extrema pobreza.

É preciso entender que o acesso a programas sociais que muitas vezes não refletem as ausências e inseguranças não resulta em mudança das mais fortes inseguranças que uma família enfrenta. As prefeituras devem começar pelo seu território mais pobre e vulnerável. Cada família deve ser visitada e com ela definida de três a cinco prioridades.

Desta agenda nasce o trabalho dos governos. Eu estou propondo uma reviravolta na forma de enfrentar a extrema pobreza no Brasil. Se antes tínhamos as soluções sem saber as necessidades, agora, com a ¿Agenda Família¿, teremos a certeza das necessidades e teremos que construir a urgência das soluções.

Aceitar e reconhecer que a família sabe seu problema é um bom começo para a implantação da ¿Agenda Família¿. E pensar nesta nova estratégia me faz lembrar da letra de uma música de Caetano Veloso que diz ¿cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é¿.

MARCELO GARCIA é secretário de Assistência Social de Juiz de Fora, foi secretário de Assistência Social da Prefeitura do Rio e presidente do Colegiado Nacional de Secretários Municipais de Assistência Social