Título: Balanços no vermelho
Autor: D'Ercole, Ronaldo; Rangel, Juliana
Fonte: O Globo, 28/03/2009, Economia, p. 33

Afetadas pela crise, Sadia e Aracruz amargam prejuízos históricos. Embraer também tem perda.

Os balanços de 2008 de três das maiores companhias brasileiras, divulgados ontem, mostram que a crise financeira internacional, mesmo com efeitos concentrados no último trimestre, teve impacto decisivo nos resultados. Sadia e Aracruz, líderes em seus segmentos, reportaram prejuízos históricos, de R$ 2,5 bilhões e R$ 4,1 bilhões, respectivamente, decorrentes da excessiva exposição em operações com derivativos de câmbio.

Essas perdas levaram a movimentos drásticos na busca por capitalização.

Depois de conseguir renegociar suas dívidas com os bancos, a Aracruz foi incorporada pela Votorantim Papel e Celulose (VCP). Já a Sadia, depois do primeiro prejuízo em seus 64 anos, mantém-se aberta a associações e chegou a discutir uma fusão com a arquirrival Perdigão. Enquanto a Embraer, apesar de ter conseguido fechar o ano com lucro de R$ 428,8 milhões, ainda ficou muito abaixo do resultado de 2007, de ganho de R$ 1,18 bilhão. E não foram só as perdas de R$ 40,6 milhões do quarto trimestre que causaram isso.

Com dívidas de curto prazo de R$ 4,16 bilhões, incluídas obrigações relativas a derivativos, a Sadia informou já ter refinanciado R$ 1,4 bilhão que venciam no primeiro trimestre. E aposta na venda de ativos ¿ terras, centros de distribuição e uma fábrica de ração, entre outros ¿ para reforçar o caixa e fazer frente aos outros vencimentos do ano.

¿ A companhia continua trabalhando com o projeto de capitalização (via associação ou fusão), mas também com a oportunidade de vender ativos.

Não tem nada descartado ¿ disse o presidente executivo da Sadia, Gilberto Tomazzoni, garantindo que a empresa já absorveu as perdas com derivativos e não corre risco de se tornar insolvente.

A Aracruz amargou prejuízo de R$ 2,981 bilhões no quarto trimestre de 2008 e de R$ 4,194,2 bilhões no ano.

Segundo o analista da Ágora Luiz Otavio Broad, o resultado trimestral está ligado a perdas com derivativos, de R$ 2,73 bilhões, e valorização de 22% do dólar no período.

Alexandre Chaia, economista do Ibmec São Paulo observou que, entre o segundo e os terceiro trimestre, a Sadia já havia reduzido sua exposição em derivativos cambiais, por isso o impacto no resultado foi menor que o da Aracruz: ¿ A Aracruz foi um pouco mais lenta no processo.

Com 90% das receitas em dólar, a Embraer também sentiu a disparada do câmbio, embora em escala menor.

As despesas com câmbio somaram R$ 179,3 milhões no período, contribuindo para o prejuízo de R$ 40,6 milhões.

A empresa ainda viu suas vendas caírem 90% no quarto trimestre.

Depois de demitir 4.300 empregados no mês passado, o presidente da Embraer, Frederico Curado, disse ontem que o ajuste de pessoal está concluído.

E informou que, como parte do ¿grande esforço¿ para reduzir custos, irá propor ao Conselho de Administração o não-pagamento dos dividendos relativos ao quarto trimestre aos acionistas e a redução da remuneração dos executivos este ano.

¿ Os clientes que têm encomendas não têm dinheiro para pagar ¿ afirmou Curado, acrescentando que, para cumprir a meta de entregar 240 aviões este ano, a empresa espera elevar para até 30% a participação do BNDES no financiamento das vendas, contra 11% em 2008.

Analista vê lição para as companhias

Pedro Paulo da Silveira, economistachefe da corretora Gradual, calcula que o endividamento em dólar das empresas brasileiras, de cerca de US$ 140 bilhões, significou perdas contábeis de R$ 100 bilhões nos balanços somente com a valorização da moeda americana no último trimestre. Já para Chaia, o desafio agora é lidar com os

custos do ajuste exigido pela crise, como as despesas com demissões e o aumento do custo do capital.

Para analistas de mercado, as empresas cujos balanços foram afetados por operações financeiras malsucedidas terão de fazer um esforço extra para enfrentar um período de retração na economia. Paulo di Blasi, professor de Finanças do Ibmec-Rio, acredita que a crise deixa uma lição: ¿ Elas vão aprender a se preparar para períodos em que as coisas não saem conforme o planejado. As companhias não podem ser prejudicadas por uma atividade que não tem nada a ver com o seu negócio principal, seja frango ou celulose.

Para Carlos Manuel Pereira de Souza, estrategista da Lopes Filho & Associados, a solução passará por fusões.

Sua maior crítica é em relação a quem apostou contra o dólar: ¿ As empresas perderam porque tiveram ganância.

A Bolsa de Valores de São Paulo fechou ontem em queda de 1,60%, aos 41.907 pontos. Mesmo assim, na semana acumulou alta de 4,57%, a terceira seguida. As ações ordinárias da Embraer caíram 8,50% e as preferenciais (PNs) de Aracruz, 7,27%, as maiores quedas da Bolsa. As PNs da Sadia recuaram 2,27%. Pesaram, além dos balanços ruins, a retração de 1,6% da economia britânica no quarto trimestre e a queda de 5,8% nas vendas do varejo no Japão em fevereiro.

Já o dólar encerrou o dia em alta de 2,37%, para R$ 2,293, com um volume de US$ 4,5 bilhões, puxado, segundo operadores, por possíveis compras do Citi para remessas ao exterior após vender suas ações na Redecard.

COLABOROU Felipe Frisch