Título: Habitação: governo quer incentivar uso da Tabela Price pelos bancos
Autor: Beck, Martha; Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 28/03/2009, Economia, p. 34

Instituições terão que dar ao mutuário duas opções para correção das prestações.

BRASÍLIA. Discretamente, o governo incluiu na medida provisória (MP) 459 ¿ que regulamentou o pacote habitacional ¿ um artigo para tentar estimular os bancos a concederem empréstimos utilizando a Tabela Price, que permite prestações iniciais menores e, com isso, amplia o número de trabalhadores aptos a tomar um financiamento para a compra da casa própria. Sem fazer referência direta a esse tipo de correção, a MP afirma apenas que, num contrato do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), a soma das prestações deve ser igual ao valor do empréstimo quando são descontados os juros.

É uma tentativa da União de indicar à Justiça que, qualquer que seja a correção adotada pelos mutuários, eles não poderão ser prejudicados por uma cobrança abusiva de juros. Por outro lado, essa determinação garante aos bancos que o valor emprestado deve ser devolvido integralmente pelo mutuário.

O secretário-adjunto de Política Econômica, Dyogo de Oliveira, explica que muitos bancos relutam em usar a Tabela Price porque, nos recursos de mutuários à Justiça, é comum que o valor da dívida seja recalculado para baixo. Especialistas ouvidos pelo GLOBO, no entanto, avaliam que a MP não encerra o risco jurídico de utilização da Tabela Price.

Embora o texto traga uma regra para a relação entre prestações e financiamento total e estabeleça que o sistema de amortização seja livremente pactuado entre banco e mutuário, a Justiça tem entendido que, se houver dano ao cliente, o contrato pode ser revisto. A MP prevê ainda que o banco deve oferecer ao mutuário duas formas de correção, sendo uma delas sempre o Sistema de Amortização Constante (SAC).

O governo quer estimular o uso da Price para permitir a tomada de empréstimos pela população de baixa renda. Este tipo de amortização faz com que as prestações de um contrato habitacional sejam calculadas no mesmo valor. No entanto, elas são corrigidas pela Taxa Referencial (TR) e, ao longo do tempo, podem acabar ficando pesadas para o trabalhador, gerando inadimplência e passivos.

Pela Tabela Price, renda exigida é menor Simulação feita pelo economista Marcus Valpassos mostra que um financiamento imobiliário no valor de R$ 100 mil, em contrato de 20 anos, pode resultar numa quantia total a pagar de R$ 226,9 mil ou R$ 258,5 mil. Tudo depende da correção escolhida: o SAC, no primeiro caso, ou a Price, no segundo. No caso do SAC, no entanto, para receber o empréstimo, o cliente teria que comprovar renda de R$ 3,8 mil, enquanto pela Price o rendimento exigido seria de R$ 3 mil. Isso porque, enquanto as prestações dos contratos que adotam o SAC começam mais altas (neste exemplo, a inicial seria R$ 1.154) e vão caindo ao longo do tempo, na Price elas começam mais baixas (no exemplo, R$ 905,15) e vão aumentando em função da TR.

Segundo o professor de Matemática Financeira do Ibmec-SP José Dutra Vieira Sobrinho, ainda que a MP afirme que o modelo de amortização dos contratos pode ser livremente pactuado entre as partes, a súmula 121 do Supremo Tribunal Federal (STF) diz que é vedada a capitalização de juros. Embora ainda não haja uma definição da Justiça sobre a legalidade ou não da Tabela Price, existe um entendimento de que este modelo embute juros sobre juros, o que é proibido.

Nos bastidores, embora técnicos da Caixa também defendam a Tabela Price, eles veem com ressalvas a volta dessa modalidade neste momento. Há seis anos, a instituição não adota esse modelo. Eles afirmam que primeiro é necessário obter da Justiça uma decisão definitiva para evitar prejuízos e milhares de ações de mutuários. A preocupação do banco com a situação foi manifestada num documento enviado à ProcuradoriaGeral da Fazenda (PGFN), durante as discussões do pacote, em que a Caixa fala em prejuízos de R$ 20 bilhões ao setor, com inadimplência, ações judiciais e dificuldade de executar a dívida.

Procurada, a instituição não quis comentar o assunto.

Dutra disse que a Price é o sistema mais usado no mundo e permite um acesso maior aos financiamentos. Já a advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Elisa Novais, alerta que, ao estimular o uso da Tabela Price, o governo pode estar vendendo uma ilusão.

¿ O consumidor precisa tomar o cuidado de não se iludir porque a primeira parcela cabe no seu bolso. Caso aconteça algum problema no meio do caminho, como volta da inflação, perda de emprego, ele pode sim se deparar com um contrato desequilibrado e ter de entrar na Justiça ¿ disse ela.

Essa é também a avaliação da advogada da Associação Brasileira dos Mutuários da Habitação (ABMH), Sonália Cristina Henrique: ¿ Não adianta o governo dizer aos bancos que o que vale é o que foi acertado entre as partes. Vão prevalecer regras favoráveis ao consumidor.

O Banco do Brasil utiliza a Tabela Price desde o início das operações de crédito habitacional, em julho de 2008. Segundo o banco, os gerentes oferecem aos clientes tanto SAC quanto Price.

A escolha é do tomador. O banco Santander utiliza a Price apenas em algumas linhas, mas está avaliando uma forma de se adaptar à nova regra, que obriga as instituições a oferecerem no mínimo duas opções nos financiamentos.

O HSBC não utiliza, mas está estudando a possibilidade a partir da nova regulamentação do crédito habitacional.

O Bradesco, Itaú e Unibanco não se manifestaram.