Título: SNI vigiava subversivos do governo
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 30/03/2009, O País, p. 3

Uma centena de militantes de esquerda, com cargos, era seguida após Anistia.

BRASÍLIA. Além de monitorar os passos de Leonel Brizola no poder, o Serviço Nacional de Informações (SNI) manteve sob vigilância cerrada mais de uma centena de políticos e militantes de esquerda nomeados em sua gestão.

Documentos secretos sobre o primeiro governo pedetista revelam que, mesmo após a Lei da Anistia e a volta dos exilados, os militares continuaram a perseguir remanescentes de organizações clandestinas de combate à ditadura.

Com a colaboração de órgãos de inteligência das Forças Armadas, os arapongas produziram e enviaram a Brasília pelo menos 15 dossiês sobre opositores do regime recrutados para a administração estadual. Segundo a contabilidade do SNI, Brizola nomeou, nos primeiros nove meses de mandato, 145 ex-integrantes de siglas como o antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e a Ação Libertadora Nacional (ALN).

De assessores de secretarias ao vice-governador Darcy Ribeiro, ninguém era poupado do pente fino dos espiões.

Um dos alvos no primeiro escalão foi o deputado Fernando Lopes (PMDB-RJ), que comandou a Secretaria de Planejamento e Controle.

Líder estudantil em 1968, ele militou com Franklin Martins e Fernando Gabeira na Dissidência Comunista da Guanabara, rebatizada de Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) durante o sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick. Num dossiê, é descrito como um dos ¿mais destacados subversivos¿ do governo. Em outro, como seguidor de Luiz Carlos Prestes.

¿ A gente não sabia quem espionava quem, mas era evidente que o mecanismo continuava atuando. Quando o governo começou, as instituições do regime ainda estavam intactas. Esses papéis mostram que os arapongas apenas desativaram o esquema do Dops, que era ligado à Secretaria de Segurança do estado, e implantaram outro no lugar ¿ reagiu Lopes ao saber do dossiê.

Em janeiro de 1984, os arapongas montaram um quadro dividindo os esquerdistas entre ¿militantes¿ e ¿simpatizantes¿ das organizações clandestinas. Em tom fortemente ideológico, o documento classificava como ¿perigo maior¿ para a segurança nacional a indicação de políticos que haviam sido ¿presos, cassados, banidos, exilados ou asilados¿. No relatório, aparecem intelectuais e políticos cassados pelo golpe e obrigados a se exilar no exterior.

O primeiro da lista é Darcy, antropólogo e chefe da Casa Civil no governo João Goulart, que seria eleito imortal da Academia Brasileira de Letras em 1993.

Críticas à nomeação de ¿indivíduos banidos¿ e ao ¿domínio marxista¿ na máquina pública Os documentos revelam outra obsessão dos arapongas: identificar ex-militares que trocaram de lado para atuar na luta armada. Um deles foi o ex-capitão Altair Lucchesi Campos, que militou com Carlos Lamarca na VPR até ser expulso do Exército, em 1970. No governo pedetista, ele ganhou um cargo na extinta Companhia de Transportes Coletivos (CTC).

Em maio de 1983, o SNI criticou Brizola por nomear ¿indivíduos que foram banidos do território nacional, ex-exilados, antigos militantes da esquerda revolucionária e e outros que também registram antecedentes negativos¿.

Intitulado ¿Infiltração no governo do Estado do Rio de Janeiro¿, o documento acusa o governador de implantar um ¿domínio marxista¿ na máquina pública, que tenderia a ¿se alastrar a todos os níveis da administração estadual, sob inspiração da Internacional Socialista¿.

(Bernardo Mello Franco)