Título: Militares culpavam Brizola pela escalada da violência
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 30/03/2009, O País, p. 3

Arquivos do SNI registram ataques às políticas de habitação e segurança do pedetista, acusado de não combater crime no Rio

O crescimento de facções criminosas nos presídios e as obras de urbanização em favelas foram alvo de duras críticas nos relatórios de arapongas que espionaram o primeiro governo Leonel Brizola, a mando da ditadura militar. Os arquivos do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) registram ataques às políticas de habitação e segurança pública implantadas pela gestão pedetista no estado, entre 1983 e 1986. Nos documentos, Brizola é atacado por ter, na visão dos militares, afrouxado o combate ao crime em nome do discurso de respeito aos direitos humanos.

Os papéis deixam claro que a linha dura do regime, que comandava o órgão de espionagem no período, reprovava a orientação de Brizola para que a polícia evitasse tiroteios nas favelas. Não há nos documentos qualquer referência ao tráfico de drogas.

Em relatório encaminhado ao Conselho de Segurança Nacional sobre os primeiros nove meses do governo, o SNI responsabilizava o pedetista pelo aumento da criminalidade no Estado do Rio: ¿O governador, com seus reiterados pronunciamentos que resultaram numa interpretação errônea do que seja proteção aos direitos humanos, enfraqueceu o ânimo das autoridades no combate ao crime e aumentou o índice de criminalidade¿.

O mesmo informe, que chegou às mãos do então presidente João Figueiredo, relata o aumento do poder das facções criminosas nas cadeias do estado. Os espiões atribuem conflitos nos presídios à ¿luta entre grupos, denominados falanges Vermelha e Jacaré, já sendo admitida a existência de mais um grupo, o Terceiro Comando¿.

Em setembro de 1983, o Centro de Informações do Exército (CIE) produziu um dossiê sobre a situação em dois dos principais presídios do estado na época: o Instituto Penal Candido Mendes (Ilha Grande) e o Instituto Presídio Hélio Gomes (Frei Caneca), ambos já desativados. ¿Os detentos estão estruturados em dois grupos antagônicos, um constituído por condenados pela Lei de Segurança Nacional e outro por presos comuns, que não aceitam a liderança pretendida pelo primeiro, por eles denominado cooperativa ou falange¿, diz o informe. ¿Na Ilha Grande, houve recentemente um tiroteio de grandes proporções entre os dois grupos¿.

Na época, os presos políticos já haviam sido libertados pela Lei de Anistia. No entanto, a Lei de Segurança Nacional continuava a ser usada para manter na cadeia condenados por sequestro, assalto a bancos e outros crimes.

De acordo com o órgão de espionagem do Exército, uma organização nascida do convívio entre presos comuns e presos políticos já exibia, na época, amplo poder para corromper agentes penitenciários e facilitar a fuga de detentos: ¿A chamada Falange está estruturada administrativamente e visa as fugas. Tudo o que entra nos presídios é por eles reunido, guardado e distribuído (armas, munições, tóxicos...).

Dispõe, portanto, dos meios para corromper e manipular as guardas¿.

Segundo o relatório, a organização mantinha ¿uma caixinha, abastecida de fora, através de contribuições oriundas de assaltos¿. Com os repasses, financiaria atividades como ¿corrupção da segurança, tráfico de influência, entrada de tóxicos e armas nos presídios, fugas de falangistas e apoio logístico (veículos, lanchas e elementos de apoio ligados ao grupo)¿.

A primeira facção criminosa do Rio nasceu da convivência entre presos políticos e presos comuns na Ilha Grande na virada dos anos 60 para os 70, auge da repressão às organizações clandestinas de esquerda. Na origem, é descrita por pesquisadores como uma organização formada pelos detentos para enfrentarem as torturas e os maus-tratos de carcereiros. Aos poucos, incorporou presos comuns, antes de ser absorvida pelo tráfico de drogas.

Arapongas criticam ¿obras faraônicas¿ em favelas

Outro relatório do CIE acusa Brizola de permitir o aumento dos camelôs nas ruas do Rio.

¿O governador tem estimulado a proliferação do comércio clandestino de camelôs, atualmente estimados em 70 mil. (...) Transformou bairros e subúrbios do Rio de tradicional e pujante comércio em autênticos mercados persas, ou edições caboclas da Hong Kong asiática¿.

Ao falar das favelas, os dossiês do SNI atacam políticas que hoje são apoiadas por todas as correntes partidárias. Em 1986, um informe fazia duras críticas a obras de infraestrutura nos morros Dona Marta e Pavão-Pavãozinho, que hoje é beneficiado por obras do PAC. Na visão dos arapongas, as melhorias em comunidades pobres incentivariam a especulação.

¿A procura de moradias nesses locais é muito grande, ensejando o crescimento da especulação imobiliária¿.

O relatório termina num tom que hoje seria considerado politicamente incorreto: ¿Vêm sendo constatados focos de insatisfação dos moradores da Ladeira Saint-Roman, ocupantes de prédios de melhor nível, que não encontram razão para obras faraônicas como aquelas¿.