Título: Política no ritmo da crise
Autor: Viana, Jorge
Fonte: O Globo, 29/03/2009, Opinião, p. 7

A política, no Brasil, parece estar dançando fora do compasso. Quanto mais o país mostra capacidade de enfrentar a crise econômica mundial, mais frustrante é o desempenho da política e dos políticos na vida nacional.

O paradoxo fica mais visível quando comparado ao que acontece no centro da crise econômica, os Estados Unidos, em que se busca justamente na política as forças para uma mudança econômica necessária e urgente.

No Brasil, o presidente Lula não pode contar com essa força.

Há um esforço visível do governo, empresas e trabalhadores para criar um ambiente de responsabilidade para manter o equilíbrio e, se possível, o crescimento da economia, mas os partidos políticos e o próprio Congresso Nacional se debatem no fisiologismo, não fazem as tão prometidas reformas e se superam apenas na produção de escândalos.

As eleições internas do Congresso, ao que parece, ainda não terminaram: a campanha continua na forma de uma crise política que ameaça transformar-se em crise institucional. Aos vencedores não basta vencer, querem esmagar, e assim esquecem que entre os que perderam estão quadros essenciais à democracia brasileira, praticantes da boa política, que não agravam os problemas mas são parte da solução.

O risco de crise institucional é claro quando a política perde qualidade e os políticos a fé pública.

A economia, que não espera pela inércia política, desperta o tecnicismo, remendo burocrático de governos planejados na frieza dos gabinetes. Vivemos isso na ditadura, com os tecnocratas produzindo um ¿milagre econômico¿ impactante mas insustentável, porque feito sem a sociedade.

Hoje, o enfraquecimento do Congresso já produz fenômenos estranhos como a ¿judicialização¿ da política, e pode abrir caminho para aventuras de alto risco.

A história é cheia de exemplos e alertas. Em 1960, quando Jânio Quadros atravessou a sucessão de um presidente amado como Juscelino Kubitscheck, acabou criando o vazio que gestou uma ditadura de duas décadas. Em 1989, Collor de Mello surpreendeu Ulysses Guimarães, Mário Covas e Leonel Brizola, foi para o segundo turno e ganhou da verdadeira novidade do Brasil de então, o petista Lula da Silva.

Collor foi tragado pela corrupção e levado à renúncia.

Vinte anos depois, Lula continua sendo o que há de novo na política brasileira, e sua liderança se mantém numa política séria, ampla e sintonizada com o povo. Essa política fez do PT um partido forte, possibilitou a formação de alianças democráticas, a eleição e reeleição de um governo de transformação social. Ao repudiar qualquer balão de ensaio para um terceiro mandato, o presidente Lula fortaleceu seu governo e valorizou os partidos políticos, que, ao tempo certo, devem protagonizar a sucessão presidencial de 2010.

Mas a habilitação dos partidos para 2010 tem condicionantes urgentes, como a qualificação de lideranças, o resgate do Congresso Nacional e o realinhamento da agenda política com os interesses do povo brasileiro. Isso é cobrado de todos os partidos, mas não se pode negar que a sociedade tem uma expectativa maior em relação ao PT.

O Par tido dos Trabalhadores também continua sendo o que pode oferecer algo novo à política nacional.

Nossos 29 anos traduzem um esforço de construção partidária sem precedente e sem subsequente na história do Brasil. Mas seria irônico, se não fosse doloroso, constatar que o PT, antes tão festejado pela militância e tão questionado para governar, tenha hoje um governo de alta aprovação popular associado a um fracasso na política.

No outro extremo, o PSDB tinha imagem elitista e quadros com fama de ultrapreparados, mas no final de oito anos de governo a forte base política que conseguiu montar, ancorada no DEM e no PMDB, não compensou o fracasso da economia neoliberal em 2002.

A pergunta que se impõe é: o que os partidos devem fazer para agregar à política a confiança que governo, empresas e trabalhadores estão obtendo na economia, mesmo diante de uma crise avassaladora? Existem desafios comuns a todos e próprios de cada partido. Posso, com liberdade, referir-me àquele ao qual sou filiado: o PT precisa credenciar lideranças fortes, retomar suas bandeiras históricas, valorizar alianças éticas e melhorar sua interlocução com a sociedade, através dos segmentos de esquerda e centro-esquerda.

Mas, como cidadão brasileiro, tenho também a liberdade de observar que os demais partidos e seus políticos precisam deixar de criar problemas para o país e fazer o que o mundo inteiro está fazendo: exercer a política como parte indispensável da solução para a crise.

JORGE VIANA foi prefeito de Rio Branco e governador do Acre.