Título: Fechar portas tem sido muito mais perigoso
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 29/03/2009, Economia, p. 27
Economista e escritor inglês alerta para perigos da conjunção entre populismo e protecionismo no mundo. ENTREVISTA Philippe Legrain
LONDRES. Embora marcada pelo ceticismo do público e as divergências entre os participantes, a cúpula dos chefes de Estado dos países do G-20, em Londres, na quinta-feira, prova que a globalização não é necessariamente um instrumento de dominação em prol dos países ricos, ao contrário do argumento de uma série de best-sellers lançados no mundo. A opinião é do economista, escritor e jornalista Philippe Legrain, cujo manifesto de defesa aos fenômenos de integração global, ¿Open World¿, lançado em 2002, causou polêmica ao citar fábricas de trabalho intenso no Sudeste da Ásia como exemplo positivo. Em entrevista ao GLOBO, o inglês, ex-assessor da Organização Mundial do Comércio, diz que a verdadeira reflexão para o G-20 tem de ser em torno das consequências da combinação entre populismo e protecionismo: ¿A História mostra que fechar portas tem sido muito mais perigoso para o mundo¿.
Fernando Duarte Correspondente
GLOBO: Como o senhor vê a importância da reunião de quinta-feira? PHILIPPE LEGRAIN: Para começo de conversa, precisamos analisar o encontro do G-20 em termos simbólicos.
Aí sim podemos falar de importância prática, pois, num momento de crise, é importante que as principais nações do mundo façam uma demonstração de união em busca de soluções. Mas é claro que um evento realizado num único dia não será uma solução mágica para os problemas que vivemos.
Mas o encontro tem sido alardeado pelo premier britânico, Gordon Brown, como um fórum crucial...
LEGRAIN: Brown, que enfrenta problemas de popularidade no Reino Unido, naturalmente quer dar importância para a reunião, pois é uma chance de ele mostrar serviço diante dos olhos do mundo. Não estou negando a importância de se discutir questões como uma reforma no sistema financeiro internacional, o estímulo à economia e o combate ao protecionismo.
Mas é um processo complexo, sobretudo diante das pressões que diversos países, inclusive o Reino Unido, enfrentam para adotar restrições ao livre comércio. Ainda assim, podemos falar em uma oportunidade única para países emergentes, que se beneficiaram muito da globalização, de lutar por mais voz em questões internacionais.
Mesmo se opondo à proposta de maior aporte de recursos junto ao Fundo Monetário Internacional? LEGRAIN: Sim, pois esses países não se opuseram ao argumento de que há necessidade de recursos para os países mais pobres atingidos pela crise. Porém, defendem seu apoio ao aporte sob a condição de maior representatividade no FMI, que ainda é visto como uma agência do Tesouro dos EUA. Nações como Brasil e China, tradicionalmente chamados de gigantes adormecidos, hoje têm um peso muito maior por causa da globalização.
O que dizer de quem culpa a globalização pela crise atual? LEGRAIN: Essa crise está localizada no sistema financeiro dos países desenvolvidos.
Não é uma crise da globalização. Uso mais uma vez o Brasil como exemplo, pois, embora os efeitos da crise sejam sentidos de forma global, o fato de que o país não foi simplesmente um dos primeiros a serem afetados mostra que a globalização não pode levar a culpa. As pessoas hoje vivem num mundo em que as liberdades cresceram e podem pensar na escolha de vestir roupas de um país e comer alimentos produzidos em outros, por exemplo.
Isso não acontece num cenário de protecionismo. Pacotes de incentivo a montadoras, por exemplo, ajudam a indústria nacional ao mesmo tempo em que atacam a internacional.
Seu próximo livro é sobre imigração, outro ponto abordado nas discussões sobre a globalização. Um país como o Brasil deve temer o aumento no fluxo de saída de cidadãos? LEGRAIN: Pelo contrário. A fuga de mão-de-obra especializada é um problema para países de população pequena.
Sem falar que a melhora na situação econômica do país tende a fazer com que menos gente saia, ao mesmo tempo em que oferecem oportunidades de retorno. Índia e Taiwan são casos de países que se beneficiaram imensamente de movimentos imigratórios para alavancar suas economias em termos de aquisição de mão-de-obra qualificada.