Título: Ameaça de racha no G-20
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 29/03/2009, Economia, p. 27
Divergências entre países ricos e emergentes devem marcar encontro de líderes em Londres
Receitas diferentes para um único diagnóstico. Este será o tom da reunião de cúpula do G-20, grupo das 20 maiores economias do mundo, na próxima quinta-feira, em Londres. Os líderes dos países que representam cerca de 90% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) mundial e dois terços da população do planeta concordam apenas que entre as medidas para atenuar os efeitos da crise estão a regulação do sistema financeiro internacional, o saneamento dos bancos e a expansão do comércio.
Mas as divergências são bem mais amplas e vão marcar os debates.
O embate maior deverá ocorrer entre Estados Unidos, União Europeia e Japão, de um lado, e os Brics ¿ sigla para o bloco integrado por Brasil, Rússia, Índia e China ¿ de outro. As nações emergentes conseguiram finalmente ganhar voz no clube dos ricos, impondo o G-20 ao G-7 (os sete países mais ricos mundo), ao comprovarem que este último não pode resolver sozinho os problemas causados pela crise financeira mundial.
Mas enfrentam obstáculos quando defendem, por exemplo, uma maior participação nas decisões dos organismos multilaterais de crédito.
¿ O que está claro no G-20 é que há blocos diferentes e, por que não dizer, divergências transatlânticas. A agenda está carregada e, por isso, fica difícil assumir compromissos ¿ disse Mário Marconini, diretor de Negociações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
Mais perto dos EUA, Brasil quer incentivos
Mais próximo dos EUA e cada vez mais distante dos europeus quando o tema consiste em respostas imediatas à crise, o Brasil defenderá que especialmente as nações desenvolvidas continuem dando incentivos fiscais a seus respectivos setores positivos.
Assim, essas economias podem investir e comprar mais dos países pobres e em desenvolvimento.
Essa ideia também conta com o apoio do Reino Unido, mas deverá enfrentar resistências da chanceler alemã, Angela Merkel, e do presidente da França, Nicolas Sarkozy. Ambos consideram que os cofres europeus já foram bastante castigados e é preciso esperar um pouco mais para ver os resultados das medidas.
De acordo com representantes do governo brasileiro, a posição de Lula, semelhante à do presidente americano, Barack Obama, é que a sustentabilidade econômica pode ser extremamente importante, ¿mas o risco de fazer de menos é maior do que fazer demais, tendo em vista a profundidade do impacto da turbulência no crescimento econômico¿.
Essa fonte frisou que os benefícios fiscais, voltados à promoção do crescimento econômico, não podem ser confundidos com protecionismo.
A forte queda nos fluxos financeiros faz também com que o Brasil defenda o fortalecimento das instituições multilaterais de crédito, ataque os paraísos fiscais e reivindique regras mais rigorosas para combater movimentos especulativos. Os países mais pobres não podem ficar de fora dos empréstimos e, na avaliação do governo brasileiro, foi bem-vinda a revisão do Fundo Monetário Internacional (FMI) de seus instrumentos de crédito, anunciada semana passada, em que se criou uma linha de crédito flexível, sem as exigências tradicionais.
O Brasil, contudo, não vê com bons olhos o pacote financeiro de Obama, também anunciado semana passada, que prevê o uso de US$ 1 trilhão para comprar ¿ativos tóxicos¿ (podres) dos bancos. Na última quinta-feira, ao lado do premier britânico, Gordon Brown, o presidente Lula criticou a medida, argumentando que os recursos deveriam ser destinados a ampliar o comércio. E Lula ouviu de Brown um apelo para que o Brasil apoie a proposta britânica, a ser levada ao G-20, sobre a criação de um fundo com US$ 100 bilhões para financiar o comércio.
¿ A linha de US$ 100 bilhões será a medida mais importante da reunião do G-20, se for aprovada pelos chefes de Estado. As dificuldades na obtenção de crédito à exportação são gritantes ¿ comentou o economista da LCA Consultoria, Francisco Pessoa.
Marconini destacou que, desde o início da crise, foram adotadas 47 medidas protecionistas em 17 países do G-20. Apesar da luta do Brasil para que a conclusão da Rodada de Doha, na Organização Mundial do Comércio (OMC), esteja na declaração final do evento, o economista lembrou que não só os EUA se silenciaram quanto ao tema. A Argentina diverge do governo brasileiro quanto à abertura de mercado para produtos industrializados, e a Índia alega que precisa de mais tempo, tendo em vista que em julho haverá eleições naquele país.
¿ O ideal seria mais comércio, com os mercados se abrindo mais, e não se fechando ¿ afirmou.
Lula vai tentar se aproximar da China
Paralelamente ao evento, Lula terá encontro bilateral com o presidente da China, Hu Jintao. Falará sobre a proposta chinesa de se criar uma nova âncora monetária global que substitua o dólar como referência de negociações financeiras e comerciais. Hu tentará pôr o tema em discussão, mas deve enfrentar resistência de EUA e Japão. O governo japonês declarou que o tema não entrará na pauta.
Defensor da influência maior do Estado sobre o sistema bancário, o Brasil concorda que é preciso que todos os atores do mercado sejam regulados e supervisionados, disse uma graduada fonte envolvida na preparação da participação brasileira. O aumento de 2,7% do poder de voto dos países emergentes no Fundo Monetário Internacional (FMI), autorizado em 2008, foi um bom passo, mas insuficiente. No G20, o Brasil defenderá a antecipação, em dois anos, da revisão de quotas do Fundo, prevista para 2013.
¿ O G-20 deve se consolidar como fórum de governança financeira ¿ disse um integrante da área econômica do governo.