Título: Para especialistas, distorção é problema
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 03/04/2009, O Páís, p. 3

E cobrar desta Câmara que faça a reforma política é perda de tempo", diz historiadora.

BRASÍLIA e RIO. A criação de uma bancada para representar brasileiros que moram no exterior, aprovada anteontem pelo Senado em primeiro turno, foi criticada por especialistas ouvidos pelo GLOBO. Para eles, o problema que deveria ser discutido, em uma reforma política, é o da desproporcionalidade no Congresso entre o número de representantes e a população de cada estado. No entanto, acreditam que essa distorção não será resolvida com este Congresso que está aí.

A historiadora Marly Silva da Motta, coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Rio da Fundação Getulio Vargas (FGV), acredita que a questão das distorções não seria agravada com a aprovação da emenda que cria a bancada dos "brazucas". Para ela, o melhor seria resolver essas disparidades - agravadas pelo regime militar com o Pacote de Abril, editado no governo Geisel, lembra -, mas as dificuldades para mudar a lei e redistribuir as cadeiras da Câmara hoje seriam imensas:

- Política não se faz com cálculos matemáticos. O equilíbrio é, sim, uma meta a ser perseguida, mas não se altera o equilíbrio federativo em véspera de ano eleitoral e numa eleição que já está antecipada. E cobrar desta Câmara que faça a reforma política é perda de tempo.

O cientista político David Fleischer, da UnB, ressalta os riscos da proposta da bancada dos "brazucas", do senador Cristovam Buarque:

- Temos que tomar cuidado com a distorção na representação. Há três milhões de brasileiros no exterior, mas poucos votam. Com isso, haverá deputados que serão eleitos em colégios eleitorais pequenos. Isso acontece hoje em estados como Amapá e Roraima, enquanto São Paulo deveria ter bem mais do que os 70 deputados. Essa distorção teve origem na ditadura militar, que mudou regras para manter o controle do Congresso.

O professor Ricardo Ismael, do Departamento de Sociologia da PUC-Rio, considera o número de deputados e senadores no Brasil suficiente. Em sua avaliação, no Senado a proporcionalidade é correta, uma vez que a Casa representa os estados - são três senadores eleitos por cada estado. Já no caso da Câmara, que representa a população, não:

- Na Câmara, a regra fixada durante o governo Itamar Franco, de mínimo de oito e máximo de 70 deputados por estado, cria uma desproporção. A população de São Paulo, por exemplo, é sub-representada.

Segundo Ismael, a desproporção é clássica ao longo da história da República:

- O foco não é reduzir ou aumentar. Alguns estados têm mais representantes e outros, menos. Se for para discutir a distorção, deveria ser através de uma reforma política, mas acho que não há essa possibilidade hoje.

O professor da PUC ressalta ainda o fato de que os deputados brasileiros não têm como interferir em políticas públicas de outros países.

- Não influenciam leis, orçamento, políticas públicas. Não podem fiscalizar. Como vão melhorar a vida dos brasileiros lá fora? Dentro de um mundo globalizado, a grande questão é como os estrangeiros poderiam ter representantes nos países onde estão morando.

O professor e pesquisador Jairo Nicolau, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), da Universidade Candido Mendes, não vê necessidade da criação de uma bancada específica. Considera que geraria muitos custos e um problema logístico enorme. Para ele, o problema da distorção da representatividade é histórico e a Câmara está desarrumada no critério da representatividade.

- Não acho que seja urgente, uma demanda, ter uma bancada específica. Seriam mais parlamentares, mais gabinetes, mais estrutura e um maior gasto. Vão criar um estado fictício, um estado de pessoas que moram no Japão, na Europa, na África, em Boston...

Para o professor e pesquisador Marcelo Simas, do CPDoc da FGV, não há sentido na criação da bancada:

- Por que existe a representação de congressistas? Para ajudar na construção de políticas públicas. Se eles (os brasileiros) estão fora, a representação não é necessária.

oglobo.com.br/pais