Título: Gilmar: STF livra até ladrão de sabonete
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 03/04/2009, O País, p. 10

Presidente da Corte rebate críticas de que apenas ricos são beneficiados.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, mandou recado aos críticos que, segundo ele, acusam o Supremo de atuar em favor dos ricos. Em palestra para juízes e corregedores ontem no Rio, na abertura do I Seminário do Sistema Carcerário, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Gilmar disse ter feito levantamento detalhado dos habeas corpus concedidos pelo STF. Disse que tomou a iniciativa diante da "luta política que se trava na sociedade":

- Havia um discurso de caráter ideológico de que o Supremo cuida apenas do interesse dos ricos. O que não é verdadeiro, mas, na luta política, essas injúrias são afirmadas sem grande responsabilidade.

Segundo o ministro, no ano passado o STF concedeu 350 habeas corpus. Dezoito deles beneficiaram autores de crimes "insignificantes", a maioria pessoas pobres, diz Gilmar:

- Há ricos e pobres (entre os beneficiados por habeas corpus). Estou me especializando no exame detalhado dessas questões, e fico a pesquisar informações. Verifiquei estes dias que o tribunal concedeu 18 habeas corpus de casos em que se aplica o princípio da insignificância: o furto da escova de dente, do bambolê, da pasta dental, do sabonete, da fita de vídeo.

Segundo o ministro, o CNJ está recomendando aos juízes cuidado na apreciação, em primeira instância, desses casos:

- Essas pessoas deveriam ter se livrado desde o início. Estamos recomendando aos juízes, no conselho, que examinem com cuidado o ato de prisão, que não ratifiquem e não homologuem essas prisões. Esses dias alguém me dizia: isso não deveria ter chegado ao Supremo. Se não tivesse chegado ao STF, eles estariam presos. Só foram soltos porque houve a intervenção do STF. E certamente quem furta bambolê, pasta de dente e sabonete não é rico.

Gilmar criticou ainda os excessos nas prisões temporárias e pediu que os juízes tenham cuidado ao confirmar prisões em flagrante feitas pela polícia:

- Há estados em que o número de prisões temporárias é superior ao das prisões definitivas. O juiz muitas vezes retifica a prisão em flagrante burocraticamente - disse, lembrando casos em que o preso estava há mais de três anos sem formalização de denúncia.

Em entrevista, ao comentar a aprovação simbólica no Senado do projeto que acaba com a prisão especial para quem tem diploma superior e também para deputados, senadores, ministros, governadores e prefeitos, Gilmar afirmou que o fim do benefício é uma tendência natural. O presidente do STF afirmou que a evolução do sistema carcerário deverá ajudar a diluir o conceito de prisão especial:

- Acho que a prisão especial refletia talvez uma preocupação com o próprio sistema carcerário. À medida que vamos evoluindo, essa ideia de prisão especial vai cedendo lugar. Aqui e acolá vai se mantendo esse conceito, tendo em vista alguma delicadeza institucional, mas imagino que a tendência é caminhar para a superação desse modelo. À medida que o Conselho Nacional de Justiça começa a fiscalizar efetivamente os presídios, vamos tendo uma revolução.

Um dia depois de o procurador-geral de Justiça, Antonio Fernando de Souza, afirmar que o controle externo da atividades da polícia é atribuição do Ministério Público, Gilmar voltou a defender o controle pelo Judiciário, por varas específicas.