Título: Enfim estadista
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Fonte: O Globo, 03/04/2009, O Mundo, p. 25

Obama usa cúpula do G-20 para articular acordos bilaterais, aparar hostilidades e discutir temas estratégicos para a política externa dos EUA

LONDRES

Em sua primeira viagem à Europa como presidente dos EUA, Barack Obama tinha uma missão que ia além de discutir os rumos da economia mundial. Com pouco mais de dois meses de mandato, ele atravessou o Atlântico com a difícil tarefa de mudar a imagem da liderança americana - desgastada durante o comando de George W. Bush - e ainda discutir com outros líderes temas fundamentais para a política externa. E passou no teste. Na cúpula do G-20, em Londres, o presidente antes criticado por sua falta de experiência internacional se posicionou como estadista, selou acordos com a Rússia, manteve diálogos promissores com China, Índia e Arábia Saudita, e obteve apoios em relação a Afeganistão, Irã e Coreia do Norte.

Durante o encontro, Obama deixou claro que seu estilo de relacionamento será bem diferente do de Bush. O presidente demonstrou maior propensão ao diálogo e capacidade de ouvir antes de dizer qual o caminho a ser seguido. O resultado foi a boa receptividade até mesmo de quem se esperava atitudes mais hostis.

- Os EUA estão demonstrando que estão dispostos a negociar. Isso, sem dúvida, é um grande avanço - disse o presidente russo, Dmitri Medvedev, que anunciou com Obama o acordo de desarmamento atômico mais significativo desde 1997.

O encontro com o presidente russo foi o mais aguardado e seu resultado aumentou o cacife político do presidente americano. Além da redução do arsenal atômico, os dois líderes concordaram em trabalhar juntos em relação ao Afeganistão. A Rússia ofereceu ontem uma rota militar para a passagem de armamentos e ambos os líderes exortaram o Irã a restaurar a confiança na natureza pacífica do seu programa nuclear e expressaram preocupação sobre o lançamento de um foguete pela Coreia do Norte, previsto para os próximos dias. Temas mais sensíveis, como a guerra na Geórgia e o escudo antimísseis na Europa, apesar de ainda pendentes, não se tornaram empecilhos para o diálogo.

Com o presidente chinês Hu Jintao, Obama também acertou uma viagem oficial a Pequim, articulou ações econômicas conjuntas e ainda conseguiu progressos no assunto mais delicado entre os dois países: a política armamentista chinesa. Os dois países se comprometeram a estreitar a cooperação de suas forças armadas.

Degelo nas relações com a Espanha

Na recepção promovida pela rainha Elizabeth II, Obama e o presidente do governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, mantiveram uma conversa em separado e que resultou, segundo o líder espanhol, "no degelo" das relações entre os dois países, desgastadas depois que o socialista assumiu o poder e, cumprindo uma promessa de campanha, retirou as tropas espanholas do Iraque. Desde então, Bush e Zapatero nunca se reuniram. Com o premier italiano Silvio Berlusconi, que em novembro criou polêmica ao ressaltar o"belo bronzeado" do americano, Obama trocou risadas e conversou sobre o Afeganistão.

- O encontro não poderia ter sido melhor. O entendimento entre EUA e Espanha será muito fácil e positivo - disse Zapatero, afirmando ainda que entre os assuntos conversados estavam o Afeganistão e o Paquistão.

A luta contra os talibãs e o terrorismo também foi o principal ponto do encontro entre Obama e o rei Abdullah da Arábia Saudita. Mas a questão palestina e o preço do petróleo também estiveram na pauta.

- O encontro foi breve mas muito produtivo - disse um diplomata.

Outra reunião considerada produtiva ocorreu com o primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh. Segundo Obama, foram discutidas estratégias de ação comum em relação ao Afeganistão e ao Paquistão.

Com o presidente da Coreia do Sul, Lee Myung-bak, o principal assunto foi o lançamento do foguete norte-coreano. Obama disse que considerará uma "provocação" se o governo de Pyongyang não recuar, mas garantiu que consultaria Seul antes de tomar qualquer medida, postura que ganhou elogios do sul-coreano.