Título: Relator vota contra Lei de Imprensa
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 02/04/2009, O País, p. 3

Ayres Britto recomenda derrubada total e é seguido por Eros Grau; decisão final do STF é adiada.

Dois dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram ontem pela revogação total da Lei de Imprensa, que é da época da ditadura militar. Em seu voto, o relator, Carlos Ayres Britto, fez uma veemente defesa da liberdade de expressão e considerou toda a lei inconstitucional. Em seguida, o ministro Eros Grau concordou com o colega. Foi o primeiro dia do julgamento da ação proposta pelo deputado Miro Teixeira, em nome do PDT, contra a lei. Para o parlamentar, a Lei de Imprensa, de 1967, é uma forma de calar a imprensa, pois impõe sanções severas a eventuais abusos cometidos. A decisão final do STF é aguardada para o próximo dia 15, quando a discussão será retomada.

Ayres Britto ressaltou todos os trechos da Constituição que garantem o exercício ¿pleno e livre¿ da liberdade de expressão. Também citou a célebre frase do ex-presidente dos Estados Unidos Thomas Jefferson: ¿Se tivesse que decidir se devemos ter governo sem jornais ou jornais sem governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último¿.

¿ Em matéria de imprensa, não há espaço para o meio-termo ou a contemporização.

Ou ela é inteiramente livre, ou dela já não se pode cogitar senão como jogo de aparência jurídica.

É a trajetória humana, é a vida, são os fatos, o pensamento e as obras dos mais acreditados formadores de opinião que retratam sob todas as cores, luzes e contornos que imprensa apenas meio livre é um tão arremedo de imprensa como a própria meia verdade ¿ disse o ministro no voto.

Ele lembrou que a Lei de Imprensa foi editada em 1967 para inibir a liberdade dos órgãos de comunicação: ¿ Se nenhuma lei pode ir além do que já foi constitucionalmente qualificado como ¿livre¿ e ¿pleno¿, a ideia mesma de uma lei de imprensa em nosso país soaria aos ouvidos de todo e qualquer operador do Direito como inescondível tentativa de embaraçar, restringir, dificultar, represar, inibir aquilo que a nossa Lei das Leis circundou com o mais luminoso halo da liberdade em plenitude ¿ ponderou.

Tratamento igual para todos, defende

Ayres Britto chamou atenção para trechos da Lei de Imprensa de conteúdo penal, como os artigos que tratam dos crimes contra a honra: calúnia, injúria e difamação. Na lei, as penalidades para essas práticas são mais severas do que as punições previstas no Código Penal. O ministro afirmou que jornalistas e meios de comunicação não podem ser tratados de forma mais rígida que o restante da sociedade.

Se o voto de Ayres Britto for seguido pela maioria dos ministros, valerão para jornalistas e órgãos de imprensa as punições do Código Penal.

¿ A lei não pode distinguir entre pessoas comuns e jornalistas para desfavorecer penalmente estes últimos, senão caminhando a contrapasso de uma Constituição que se caracteriza, justamente, pelo desembaraço e até mesmo pela plenificação da liberdade de agir e de fazer dos atores de imprensa e dos órgãos de comunicação social ¿ alertou o relator.

O ministro atentou para a importância de haver punição, penal ou civil, para eventuais abusos da imprensa.

No entanto, ele condenou os abusos nos pedidos de indenização feitos por figuras públicas: ¿ Quando o agente estatal não prima por todas as aparências de legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de comportamento antijurídico. O que propicia maior número de interpelações e cobranças em público, revelandose claramente inadmissível que semelhantes interpelações e cobranças, mesmo que judicialmente reconhecidas como ofensivas, ou desqualificadoras, venham a ter como sanção indenizatória uma quantia tal que leve ao empobrecimento do cidadão agressor e ao enriquecimento material do agente estatal agredido.

O ministro Eros Grau limitou-se a concordar com o relator. Os outros nove ministros votarão no dia 15.

A ação de Miro Teixeira contra a Lei de Imprensa foi ajuizada em fevereiro de 2008. Dias depois, Ayres Britto concedeu liminar para suspender 20 dos 77 artigos da lei ¿ inclusive os referentes às punições a jornalistas condenados por crimes contra a honra.

Por isso, se atualmente algum profissional da imprensa cometer esses crimes, será punido pelo Código Penal.

Essa liminar foi confirmada pelos outros dez ministros, em votação plenária.

Até o fim do julgamento de mérito, a liminar será mantida.

Fenaj pede derrubada parcial

O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sergio Murilo de Andrade, se declarou contrário à revogação total da lei: ¿ Defendemos que os artigos declaradamente inconstitucionais sejam revogados, mas o restante do texto deve ser mantido, até que o Congresso cumpra seu papel e vote novo texto, mais moderno ¿ disse.