Título: Para socorrer municípios, Câmara tenta brecha para burlar Lei Fiscal
Autor: Alvarez, Regina; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 02/04/2009, O País, p. 4

Cidades inadimplentes poderiam receber verbas federais, inclusive do PAC.

BRASÍLIA. A pressão sobre o Congresso e o Executivo para atenuar a crise nos municípios, provocada pela queda nos repasses de recursos para os fundos de participação dos Municípios (FPM) e dos Estados (FPE), ameaça a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Ontem à noite, com apoio de parte da oposição e de governistas, a Câmara começou a votação da medida provisória 451 ¿ que trata da criação de novas alíquotas do Imposto de Renda ¿, na qual foi incluída dispositivo que permite o repasse de recursos da União sem observar as restrições impostas pela lei.

A aprovação desse dispositivo tem o apoio do Planalto, embora os técnicos do Tesouro Nacional sejam contrários à medida. Se aprovada, permitirá que estados e municípios recebam verbas da União, inclusive para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do plano habitacional, mesmo estando inadimplentes, o que fere a Lei Fiscal.

¿ Não dá para interromper uma obra ou um projeto no meio porque o município ficou inadimplente. Seria uma irracionalidade administrativa ¿ disse o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS).

Tucanos foram contra dispositivos que ferem LRF O PSDB ¿ que se considera pai da LRF ¿ manifestou-se contra a medida, mas a tendência no plenário da Câmara era de aprovação dos dispositivos que ferem a lei. Outros partidos de oposição, como o DEM, também defenderam a flexibilização dos repasses de recursos aos estados e municípios como forma de atenuar a crise.

¿ Numa situação como essa, de queda de arrecadação, se não fizermos essa mudança, os municípios não vão mais receber dinheiro algum do governo federal ¿ justificou o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO).

No governo também houve mobilização para tentar ajudar os municípios com outras medidas, mas depois de reuniões de vários ministros ao longo do dia, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) disse que não havia ainda uma decisão.

¿ Não vamos fazer nada de afogadilho. Vamos fazer com bastante critério e cuidado. O governo é parceiro, não pode resolver tudo sozinho ¿ disse Dilma, após seminário sobre a situação dos municípios.

De manhã, o ministro Paulo Bernardo (Planejamento) adiantara que o governo não admitia ampliar o nível de endividamento dos municípios.

O presidente Lula prometeu socorrer os pequenos municípios atingidos pela redução nos repasses, mas Bernardo disse que é muito difícil encontrar uma solução que recupere a totalidade dos recursos perdidos: ¿ Vamos buscar alternativas que possam ajudar a amenizar a situação, mas, de qualquer forma, assim como o governo federal está fazendo, estados e municípios fatalmente terão que ajustar seus orçamento.

Segundo Paulo Bernardo, a orientação do presidente em exercício, José Alencar, é ajudar os municípios: ¿ O presidente Alencar pediu que encontremos uma alternativa de ajudar, de ser solidário, parceiro. É evidente que não temos como resolver todos os problemas. A grande questão foi que a atividade econômica diminuiu e reduziu as receitas.

Segundo o ministro José Múcio (Relações Institucionais), 60% dos municípios têm menos de 23 mil habitantes e dependem do FPM. Em alguns caso, toda a receita vem dos repasses do governo federal, e a redução do FPM compromete a contratação de pessoal e a execução de obras e projetos nas cidades: ¿ Então, o tratamento vai ter que ser dado caso a caso. Isso é um xadrez. Você mexe numa pedra e dá a chance de outra se movimentar. Nessa hora de crise, há espaço para discutir tudo.

Vários setores trazem pendências para ser resolvidas.

Oposição propõe usar verba do Fundo Soberano A pressão dos prefeitos chega até por meio de ameaças à execução de obras do PAC, como fez ontem o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT). Ele disse que a queda dos repasses compromete o ritmo de obras: ¿ Quando o contrato faz um ano, as empresas reivindicam reajustes. Mas nossa arrecadação já caiu 18%, por causa do FPM. No momento de crise, não há como ter um aporte de recursos por parte da prefeitura (as contrapartidas).

Também para reduzir os efeitos da crise sobre os municípios, PSDB, DEM e PPS apresentarão hoje três propostas. Uma delas autoriza a União a suplementar as transferências a estados e municípios (FPM e FPE) em 2009 e 2010, de forma que fiquem no mesmo valor de 2008, corrigido pela inflação. Para garantir os recursos adicionais, o projeto autoriza a União a usar recursos da DRU (Desvinculação de Recursos da União) e a emitir títulos da dívida pública. Outra sugere que os recursos do Fundo Soberano sejam usados para recompensar essas perdas.