Título: Rombo nas contas públicas
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 01/04/2009, Economia, p. 15

Queda na arrecadação e alta nos gastos causam em fevereiro 1º déficit em 12 anos.

A forte queda na arrecadação por causa da crise mundial combinou-se a uma expansão acelerada dos gastos federais e fez com que a economia para o pagamento de juros da dívida pública tivesse, em fevereiro, o pior desempenho em 12 anos. O governo central ¿ Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central ¿ teve déficit primário de R$ 926,2 milhões. Segundo o Ministério da Fazenda, foi o primeiro resultado negativo para fevereiro na série histórica, iniciada em 1997. Em 2008, o mesmo mês registrou superávit primário de R$ 5,2 bilhões. O quadro preocupa analistas, que veem necessidade de revisão das metas fiscais.

No bimestre, o governo central acumula superávit primário de R$ 3 bilhões, contra R$ 20,5 bilhões no ano passado, ou seja, queda de 85%. Na contramão dos especialistas, o secretário do Tesouro, Arno Augustin, destacou que não há risco de desequilíbrio fiscal. Ele garantiu que o governo central vai conseguir cumprir a meta para o primeiro quadrimestre, que será de R$ 17 bilhões, e para o ano, de R$ 66,5 bilhões: ¿ Não vejo deterioração das contas públicas.

Em fevereiro, as receitas líquidas do governo (já descontadas as transferências para estados e municípios) tiveram queda de 3,5% frente a 2008. No mesmo mês do ano passado essas receitas cresciam a um ritmo de 13%. As despesas, por sua vez, subiram 14,3% em relação a 2008.

Segundo Augustin, a crise mundial prejudicou a arrecadação de tributos como o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que refletem a lucratividade das empresas.

No bimestre, as receitas tiveram redução de 3,6% em relação a 2008. Já as despesas subiram 19,6%, especialmente em função de gastos com pessoal.

Segundo Augustin, embora os investimentos tenham crescido 13,9% no primeiro bimestre, enquanto as despesas com pessoal subiram 25,4% na mesma comparação, esse comportamento não é preocupante. Isso porque a tendência é a de elevação dos investimentos, enquanto os gastos com pessoal devem apresentar uma desaceleração nos próximos meses.

No primeiro bimestre, os gastos com benefícios previdenciários subiram 12,8%, e os com custeio, 22,7%. Segundo o Tesouro, o aumento dos gastos com pessoal e encargos decorreu do pagamento de sentenças judiciais (R$ 4,4 bilhões) e do reajuste dos servidores. Apesar de o governo ter se comprometido a dar mais uma parcela de reajuste em julho ¿ com impacto de R$ 21,4 bilhões ¿ Augustin admitiu que essa medida pode ser revista: ¿ A discussão sobre reajustes vamos fazer no momento adequado, mais para o meio do ano.

Até lá, o governo vai fazer uma avaliação da situação econômica e fiscal para tomar a decisão.

Ele afirmou que, para garantir o equilíbrio, o governo tem instrumentos como o Fundo Soberano.

Criado em 2008 com o excedente do superávit primário, é uma poupança de R$ 14,2 bilhões para investir em momentos de crise.

Para Augustin, o governo já está fazendo essa política anticíclica. Mas a economista do Grupo de Conjuntura da UFRJ Margarida Gutierrez, por exemplo, diz que a política anticíclica se faz com mais investimentos, e não gastos com pessoal e custeio.

¿ Política anticíclica se faz com gastos de curta duração, como investimentos.

Reajustar salários é ruim, pois compromete orçamento futuro.

Já o economista da Tendências Felipe Salto destacou que o governo terá que rever a meta fiscal deste ano, usar o Projeto Piloto de Investimentos (PPI) ¿ onde estão concentrados os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ¿ e o Fundo Soberano, cortar despesas e segurar reajustes. O corte já anunciado para 2009 chega a R$ 25 bilhões: ¿ O governo vai ter que fazer contingenciamentos muito maiores se quiser cumprir as metas.