Título: Lula: Peço a Deus que meus netos não tenham vergonha da reunião
Autor:
Fonte: O Globo, 04/04/2009, Economia, p. 30

Presidente crê em nova ordem econômica mundial e critica protecionismo.

LONDRES. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse esperar que a reunião do G-20, realizada na última quinta-feira em Londres, não seja motivo de vergonha para seus netos e as futuras gerações. A declaração foi feita em entrevista à TV britânica BBC. Lula afirmou acreditar que uma das consequências do encontro será a criação de uma nova ordem econômica mundial e voltou a criticar as medidas protecionistas adotadas pelos países ricos.

- Peço a Deus para que os meus netos não tenham vergonha dessa reunião daqui a 15 ou 20 anos - disse Lula à BBC, na noite de quinta-feira, ao responder uma pergunta sobre como a cúpula será enxergada no futuro.

Esquivando-se de fazer previsões, o presidente também aproveitou a entrevista para criticar o protecionismo dos países ricos.

- Agora é que precisamos lutar contra o protecionismo, agora é que precisamos fazer o livre comércio. O protecionismo é como uma droga, ela pode fazer efeito imediato, mas depois vem a depressão, a recessão, e depois o caos.

Lula: crise também vai levar à reforma política global

Apesar das críticas, Lula avaliou o encontro de forma positiva e disse apostar no surgimento de uma nova arquitetura econômica mundial:

- A reunião foi boa porque os países ricos estavam diante dos países em desenvolvimento em igualdade de condições. Países como Brasil e China, embora vivam a mesma a crise, têm economias muito mais sólidas, porque temos menos déficit fiscal, dívida pública e estamos fazendo fortes investimentos em infraestrutura, o que gera empregos - disse ele. - Penso que é inexorável, vamos ter uma nova ordem econômica mundial. Porque todos se deram conta de que não é possível coexistir uma política de desenvolvimento produtiva, que precisa gerar empregos, com uma política financeira vivendo de especulação.

Para Lula, o setor financeiro tem que estar ligado ao setor produtivo, e os executivos de bancos devem ser responsabilizados por seus erros.

- Cada financiamento tem que gerar um sapato, uma camisa, um parafuso, um carro. Nunca na vida vi alguém ganhar bônus por dar prejuízo.

O presidente avalia que a crise também deve apressar o surgimento de uma nova ordem política global.

- Queremos que o mundo do século XXI seja representado pela força política que ele tem hoje, e não a que tinha na década de 40 do século XX - afirmou. - O que explica a Alemanha e o Japão estarem fora (do Conselho de Segurança da ONU)? Queremos compor uma nova geografia política para que a ONU tenha mais representatividade.

O presidente brasileiro disse ainda que acredita que a reunião em Londres vai apressar a resolução da Rodada de Doha, como são chamadas as negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) para liberalização comercial.

- Eu digo há anos que a Rodada de Doha só seria resolvida quando os líderes políticos assumissem a responsabilidade de discuti-la. Hoje (ontem) concordamos que os líderes vão discuti-la.

"Mundo precisa de oportunidade, não de favor"

Ele também aproveitou para atacar os subsídios agrícolas:

- O que precisamos é que os produtos dos países pobres da América Central, América Latina e África possam chegar à Europa e aos EUA em condições mais justas. Não são possíveis subsídios para produtos agrícolas como temos hoje.

Para Lula, o que o mundo precisa "é de oportunidade, não favor". E para que os países pobres tenham o direito de crescer, é necessário que o comércio seja realmente livre.