Título: Obama seduz europeus
Autor:
Fonte: O Globo, 04/04/2009, O Mundo, p. 38

Em novo capítulo nas relações transatlânticas, presidente pede que países sejam sócios dos EUA

Utilizando sua enorme popularidade junto à população europeia, Barack Obama buscou ontem conseguir apoio dos líderes do continente para que eles aumentem seus contingentes no Afeganistão. Em encontros com os dois anfitriões da reunião que marca os 60 anos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Alemanha e França, e sempre adotando um tom de diálogo que não foi ouvido durante o governo de seu antecessor, George W. Bush, o presidente americano conseguiu algumas pequenas concessões. Ele utilizou seu maior evento do dia - um discurso para quatro mil jovens alemães e franceses num ginásio de Baden-Baden - para tentar conseguir ainda mais tropas dos membros da aliança militar ocidental.

Desde John Kennedy um presidente americano não era recebido com tanta euforia na Europa: alegria ampliada depois que ele declarou, diante da multidão de jovens, que quer "um mundo sem armas nucleares".

- Não queremos ser patronos da Europa. Queremos ser parceiros da Europa - disse ele. - Vim à Europa esta semana renovar nossa parceria, na qual os EUA escutam seus amigos e aliados e aprendem com eles. Mas uma parceria na qual nossos amigos e aliados carreguem sua parcela do fardo.

Medindo as palavras, Obama pressionou os líderes europeus já na primeira atividade de ontem. Após o fim da reunião do G-20, em Londres, na qual o foco das discussões foi o formato de uma nova arquitetura financeira mundial, ele desembarcou ontem de manhã na cidade francesa de Estrasburgo. Depois de tecer elogios ao presidente francês, Nicolas Sarkozy, Obama apresentou sua principal linha de argumentação para um maior envolvimento europeu na luta contra radicais no Afeganistão.

- A França reconhece que a existência de refúgios para operações da al-Qaeda, que podem ser usados para lançar ataques, não é apenas uma ameaça para os EUA, mas para a Europa - disse Obama, ao lado de Sarkozy. - É mais provável que a al-Qaeda seja capaz de lançar um grave ataque terrorista à Europa do que aos EUA, devido à (maior) proximidade (do Afeganistão).

Americano cita nome de Bush em discurso

O americano chegou a citar Bush, muito impopular na Europa.

- É importante para a Europa entender que mesmo que agora eu seja presidente, e que George Bush não seja mais presidente, a al-Qaeda continua a ser uma ameaça. E não podemos fingir que de alguma forma, porque Barack Hussein Obama foi eleito presidente, de repente tudo vai ficar bem - disse Obama. - Este é um problema conjunto. E requer um esforço conjunto.

Obama anunciou no mês passado que enviará mais 21 mil soldados para o Afeganistão, cujo governo central e os 38 mil militares da Otan já estacionados no país enfrentam um aumento de ataques de talibãs, aliados da al-Qaeda.

- Apoiamos a nova estratégia dos EUA no Afeganistão - disse Sarkozy.

No início do ano, Sarkozy ordenou o envio de centenas de militares para o Afeganistão. Obama elogiou a atitude do francês.

Ontem, no entanto, Sarkozy se comprometeu apenas a enviar mais policiais para auxiliar no treinamento das forças de segurança afegãs, e a aumentar a assistência ao desenvolvimento do país. Num gesto de aproximação entre os países, que estiveram às turras com a liderança francesa na rejeição à invasão do Iraque, em 2003, o presidente francês disse que receberia um ex-prisioneiro de Guantánamo.

Depois da reunião com os jovens, Obama se encontrou com a chanceler federal da Alemanha, Angela Merkel. Ela concordou com o que Obama pedira mais cedo na França, a disse querer que seu país "carregue sua parcela da responsabilidade". Porém, Merkel não deu qualquer sinal sobre o envio de soldados ao país onde já há 3.800 militares alemães, a maioria deles no norte, a zona mais tranquila da operação. Especialistas creem que dificilmente o governo alemão, num ano eleitoral, enviará mais tropas para uma guerra impopular.

Outros países se comprometeram ontem a fornecer mais ajuda. O Reino Unido, que já tem 8.000 soldados no Afeganistão, anunciou que enviará mais tropas - mas o número ainda será coordenado com outros países europeus. A Espanha também enviará militares para treinar afegãos. E a Bélgica também terá mais soldados no país, além de enviar mais dois caças F-16 e dobrar a ajuda econômica anual.

A reunião da Otan começou ontem com um jantar dos líderes dos 28 países-membros em Kehl, no lado alemão da fronteira com a França. Hoje, completam-se 60 anos da criação da organização, criada em 1949 para conter o avanço da União Soviética sobre a Europa na Guerra Fria. Na reunião de hoje na francesa Estrasburgo, Croácia e Albânia serão admitidas na entidade.

Obama deixou claro ontem que também impulsionará uma aproximação da Otan com a Rússia, frisando que, se há discordâncias (como a invasão do país à Geórgia), há convergências. Ele citou ontem a preocupação com o programa nuclear do Irã.

Apesar do sucesso de público de Obama, houve protestos de pacifistas ontem. Em Estrasburgo, a polícia francesa prendeu 300 pessoas, e cortou o transporte público para um acampamento de manifestantes. Houve confronto com a polícia. Em Baden-Baden, 500 pessoas fizeram uma passeata pacífica contra a guerra.

oglobo.com.br/mundo