Título: Cúpula de Londres altera geopolítica, dando mais peso a Brasil e China
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 05/04/2009, Economia, p. 28

Para analistas, países ricos terão de se habituar à participação maior de emergentes.

LONDRES. Talvez a maior dica de mudanças no mapa-múndi geopolítico tenha sido dada pelo notório documento do Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido, vazado recentemente para a mídia britânica. Nele, os outros 19 países que compõem o G-20 foram, às vésperas da cúpula dos chefes de Estado em Londres, classificados em duas divisões de importância para os planos britânicos, incluindo uma campanha de relações públicas: enquanto nações de ligações históricas, como as ex-colônias Austrália e Canadá, foram colocadas no segundo escalão - ao lado de México, Turquia e Argentina -, Brasil, China e Índia apareceram ao lado de Estados Unidos, Japão, França e Alemanha.

Na própria cúpula, o cumprimento entusiasmado do presidente dos EUA, Barack Obama, a Luiz Inácio Lula da Silva ("Esse é o cara") foi um sinal gritante de uma nova ordem mundial, em que o poder econômico já não é monopolizado pelos países mais industrializados do mundo, tampouco por Washington. E a transformação do G-7 (grupo dos sete países mais ricos) em um G-20 - que inclui nações emergentes -, por necessidade de uma resposta coordenada à crise econômica global, abre espaço para novas mudanças no campo político, ainda que especialistas apontem a ausência de um grande catalisador para o processo.

Tendência a novas alianças e ao multilateralismo

- É claro que o encontro do G-20 não resolveria tudo em um dia e deixaria todo mundo satisfeito, mas sua conclusão foi muito importante, por ter uma transcendência de ideologias nacionais no plano econômico e uma genuína internacionalização de soluções. Mas precisamos lembrar que o mundo estava contra a parede por causa da crise, e os países do G-20 não se sentaram à mesa de maneira tão espontânea assim - explica Roger Lee, especialista em geografia econômica da Universidade de Londres.

Em outras palavras, a ausência de um maior instrumento de pressão global ainda torna difícil uma distribuição de poder mais horizontal em fóruns internacionais como a ONU, especialmente o Conselho de Segurança, onde a obtenção de uma vaga permanente é um dos principais cavalos de batalha da política externa do governo Lula. Mas o exemplo de Londres poderá contribuir para isso, dependendo do sucesso dos planos delineados na cúpula do G-20.

- O mundo está começando a reconhecer com mais força que a economia se tornou global e que nenhum país, sozinho, poderá salvar o dia. Isso é também uma prova de que governos só podem ser mais efetivos numa escala mais internacionalizada - afirma Steve Schifferes, comentarista político da BBC.

Para o acadêmico e escritor Martin Jacques, o crescimento dos países emergentes, sobretudo da China, na esfera política é inevitável diante de sua ascensão econômica. Jacques, porém, acredita num multilateralismo que não ficará concentrado no G-20, mas será marcado por uma série de microalianças, que levarão em conta aspectos regionais e ideológicos:

- Os países ricos terão de se acostumar a um cenário de maior participação das nações emergentes porque, ao contrário do que ocorria há 40 anos, eles já não monopolizam tanto o PIB mundial. Países como China e Brasil vão gradativamente ocupar mais espaço em organismos internacionais, e isso resultará em um cenário internacional bem diferente do que vemos hoje, por mais que haja uma tendência de maior supremacia americana e chinesa.

EUA precisam se aliar à América Latina, diz analista

No entanto, mesmo entre especialistas americanos existe o sentimento de que a parceria com a China não deve ser marcada por uma fidelidade absoluta, sobretudo diante da expansão dos interesses chineses a regiões onde sua presença nunca foi tradicional, como África e América Latina. Parag Khanna, que fez parte da equipe de assessores para assuntos internacionais da campanha de Obama, vislumbra um cenário em que mesmo a União Europeia (UE) teria algum tipo de diversificação de alianças.

- O sucesso da UE não depende de centralizações regionais, e sim da força de coalizões. A França pode se beneficiar de uma liderança junto a nações mediterrâneas, e a Espanha lucraria buscando maior integração com os países latino-americanos. Nos EUA, a relação com a América Latina precisa ser mais forte. A Venezuela representa uma aliança estratégica em independência energética frente ao Oriente Médio, e o Brasil oferece uma alternativa em termos de poderio industrial.

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