Título: A bancada do cimento
Autor: Franco, Bernardo Mello; Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 06/04/2009, O País, p. 3

Levantamento de doações na Justiça Eleitoral mostra força das empreiteiras no Congresso.

BRASÍLIA

De volta à tona no rastro da Operação Castelo de Areia, a força das grandes empreiteiras no Congresso cresce no mesmo ritmo em que as empresas elevam as doações para campanhas políticas.

Levantamento do GLOBO sobre dados informados à Justiça Eleitoral em 2006 revela que quatro gigantes do setor já mantêm bancadas maiores que as de partidos tradicionais. Grande parte dos favorecidos integra a Frente Parlamentar em Defesa da Infraestrutura Nacional, que reúne atualmente no Congresso 245 parlamentares.

Alvo da investigação da Polícia Federal, na Operação Castelo de Areia, a Camargo Corrêa ajudou a pagar as contas de campanha de 38 deputados e cinco senadores. As construtoras OAS, Barbosa Mello e Odebrecht também aparecem entre os maiores financiadores.

Controlada pelo empresário Cesar Mata Pires, ex-genro do falecido senador Antonio Carlos Magalhães, a OAS mostra ter se livrado da sombra do cacique baiano. Sua lista de doações é encabeçada pelo PT, com dez parlamentares eleitos. Do DEM (antigo PFL), a empresa ajudou apenas quatro políticos. Somando as contribuições a políticos que disputaram outros cargos, a OAS desembolsou a cifra de R$ 13,9 milhões na campanha.

Terceira no ranking, a mineira Barbosa Mello tem atuação mais discreta, mas contribuiu para as campanhas de 20 deputados e um senador.

Já a Odebrecht financiou 12 deputados e três senadores, segundo doações associadas a três CNPJs em nome da construtora.

O levantamento é baseado apenas em dados oficiais e exclui subsidiárias das empreiteiras que atuam em outros ramos ¿ a Odebrecht, por exemplo, ¿terceiriza¿ doações por meio da petroquímica Braskem. Também ficaram de fora as doações ocultas, feitas diretamente aos partidos. O dinheiro é usado para saldar dívidas de campanha, mas não aparece na contabilidade eleitoral.

Em 2006, ano da reeleição do presidente Lula, a Andrade Gutierrez foi a maior doadora do PT, com R$ 6,4 milhões. A empreiteira é uma das principais acionistas da Oi e comandou a fusão da empresa com a Brasil Telecom, autorizada pelo governo.

Simon critica poder do setor nas eleições

Autor de dois pedidos de CPI para investigar repasses de dinheiro público a construtoras, ambos engavetados pelos colegas, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) critica o poder do setor nas eleições. Ele avalia que a força das empresas cria uma barreira para que o Congresso investigue os corruptores, e não apenas os corrompidos.

¿ O apoio de uma grande empreiteira decide eleições ¿ diz Simon. ¿ Os esquemas estão instalados nos ministérios, mas as empresas precisam do Congresso para aprovar o que é feito lá.

Deflagrada para combater crimes financeiros, a Operação Castelo de Areia jogou luz sobre duas práticas que se cruzam nos subterrâneos da política: o superfaturamento de obras públicas e o caixa dois de campanha. Para o cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), ambas estão por trás das doações declaradas à Justiça Eleitoral.

¿ As empreiteiras mantêm bancadas para defender seus interesses no Congresso. O objetivo claro é garantir recursos do Tesouro e projetos no Orçamento da União. As empresas fazem questão de doar no caixa um e no caixa dois. O primeiro vai para todos os partidos. O objetivo é ficar bem com todo mundo. Mas há muita doação de campanha pelo caixa dois ¿ afirma.

A lista de doações das empreiteiras não faz distinção de partidos, mas dá preferência a parlamentares que atuam nas áreas de orçamento e infraestrutura. Boa parte deles integra a Frente Parlamentar em Defesa da Infraestrutura Nacional, que reúne 227 deputados e 18 senadores.

Coordenador do grupo, o deputado Eduardo Sciarra (DEM-PR) declarou doações da Votorantim Cimentos e da Construtora Etama. Ele diz que as empresas não influenciam a frente.

¿ Agora, é natural que empresas do setor tenham identificação com parlamentares específicos e queiram contribuir ¿ afirma Eduardo Sciarra.

Eleito em 2002, o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), diz que é preciso diferenciar os parlamentares que receberam doações legais. Ele registrou contribuições da CBPO Engenharia (subsidiária da Odebrecht), da Cimento Poty e da Construtora Ancar.

¿ O grande problema é quando há contribuição não contabilizada. Quando o dinheiro é legal, por dentro, vai para a campanha.

Quando é por fora, pode ir para o bolso do candidato. Essa é a verdade ¿ diz o tucano.