Título: Terremoto deixa 100 mil sem casa
Autor: Araújo, Vera Gonçalves
Fonte: O Globo, 07/04/2009, O Mundo, p. 25

Tremor mais grave em 3 décadas devasta centro da Itália, mata 150 e deixa 1.500 feridos.

Foram 30 segundos de pânico, seguidos por uma imensa devastação na madrugada de ontem no centro da Itália, danificando prédios históricos e deixando mais de 150 mortos, 1.500 feridos e 100 mil desabrigados na cidade medieval de Áquila e arredores, no pior terremoto a atingir o país em quase três décadas. Bombeiros e voluntários buscavam desesperadamente sobreviventes, retirando escombros com as mãos nuas, em meio a casas e prédios destruídos e estradas bloqueadas.

Os moradores foram surpreendidos pelo tremor enquanto dormiam, e pelo menos 250 pessoas ainda estão desaparecidas. Prédios históricos foram danificados, incluindo parte da Basílica de Santa Maria di Collemaggio, que abriga o túmulo do Papa Celestino V.

¿ Algumas cidadezinhas da região foram totalmente destruídas ¿ informou Gianfranco Fini, presidente da Câmara dos Deputados.

Horas ao lado do cadáver do amigo

Os depoimentos dos sobreviventes do tremor de 6,3 graus da escala Richter são dramáticos, e há ainda muita gente soterrada. Mas ao redor de cada casa desabada, grupos de pessoas tentam remover os destroços, com grande cuidado.

¿ Eu acordei e ouvi um som como o de uma bomba ¿ contou Angela Palumbo, de 87 anos. ¿ Conseguimos escapar enquanto coisas caíam atrás de nós.

O epicentro do sismo foi nos arredores da capital da região de Abruzzo, Áquila, a cem quilômetros de Roma.

Uma pequena cidade de 70 mil habitantes, pouco conhecida pelos turistas, mas familiar para muitos brasileiros descendentes de italianos, pois essa sempre foi terra de emigrantes. O premier Silvio Berlusconi decretou estado de emergência na região.

¿ Não estamos usando máquinas porque a experiência nos mostra que é importante cavar com as mãos (para evitar mais desabamentos) ¿ disse o premier, em Áquila, acrescentando que C 30 milhões foram destinados para ajuda às vítimas.

Entre os edifícios mais danificados está a residência estudantil, onde na noite do domingo os estudantes organizaram uma festa, alguns hotéis do centro histórico e parte do hospital.

Dezenas de jovens conseguiram escapar dos dormitórios enquanto as paredes ruíam. Seis estudantes foram retirados vivos 15 horas após o tremor.

¿ Esta é uma cidade cheia de soldados, mas quem me salvou foram cidadãos comuns. Gritei e pedi socorro.

Ouvia o celular tocar, mas não conseguia responder. Finalmente se abriu uma brecha, vi mãos, me segurei nelas e consegui sair. O prédio tinha 20 apartamentos.

Não sei quanta gente ainda está lá embaixo ¿ contou Guido Mariani, estudante de engenharia eletrônica, após passar três horas sob escombros, ao lado do cadáver do amigo com quem dividia o apartamento.

Outro aluno foi salvo pelo telefone celular. A ligação feita pela irmã ajudou os bombeiros a localizá-lo. Alguns reclamaram da demora na ajuda.

¿ Levou três horas até chegarem as primeiras ajudas. É um horror. Só nos ajudaram os vizinhos ¿ contou Lucia, de 23 anos, uma das moradoras da Casa do Estudante.

Em outra parte da cidade, uma mãe morreu abraçada aos dois filhos pequenos quando o prédio em que moravam desabou. Os três corpos estavam na cama. Outra mulher morreu, mas conseguiu proteger a filha de 2 anos com o próprio corpo. Quatro meninos de 4 a 13 anos foram sufocados pela poeira e chegaram a ser levados ao hospital, mas não resistiram.

Além de Áquila, outras 26 pequenas cidades e aldeias da província foram devastadas, como Castelnuovo, povoado de 300 pessoas, e Onna, uma aldeia de 400 habitantes, completamente destruída. Só restaram escombros e carros cobertos de lama. Onna era um pequeno paraíso nas montanhas. Agora, na relva verde jazem dez caixões, e outros 40 estão num caminhão.

Milhares de pessoas dormiram a noite passada em barracas da Defesa Civil, e dezenas de famílias se acomodaram em seus carros em praças.

É praticamente impossível chegar a Áquila: a rodovia principal foi fechada, e as estradas secundárias estão sendo utilizadas pelo Exército, pela Defesa Civil e pela Cruz Vermelha. O aeroporto de Pescara, o único de Abruzzo, está fechado e só pode ser usado para socorro. A ferrovia está funcionando para transporte de material médico e alimentos, e os trens foram requisitados para serem transformados em dormitórios de emergência.

Quase toda a Itália sentiu o tremor.

Em Roma, moradores acordaram assustados com as paredes tremendo e portas e janelas que batiam. Desde dezembro, os residentes de Áquila vivenciaram mais de 150 pequenos terremotos, que anunciavam a chegada de um grande sismo. Este foi o mais mortífero terremoto a ocorrer a Itália desde 1980, quando um tremor de 6,9 na escala Richter atingiu o sul do país, matando 3 mil pessoas. Pelo Instituto de Pesquisa Geológica, dos Estados Unidos, o terremoto de ontem atingiu 6,3 na escala Richter. Mas pelo Instituto Nacional de Geofísica, da Itália, que usa um parâmetro diferente, ele teria sido de 5,8.

Governantes, como os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Barack Obama, dos EUA, e Abdullah Gül, da Turquia, enviaram mensagens de condolências, e o Papa Bento XVI disse que iria rezar ¿pelas vítimas, especialmente pelas crianças