Título: Receitas para a falta de receita
Autor: Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 13/04/2009, O País, p. 3

Sem verba do FPM, prefeitos apelam para moratória, rodízio de hospitais e redução de expediente.

MACEIÓ, JABOATÃO DOS GUARARAPES (PE), ARAÇOIABA (PE), NAZÁRIA (PI) E FORTALEZA.

A queda abrupta no repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), reflexo da crise internacional no país, desorganizou as finanças de cidades menores, onde a transferência é muitas vezes a principal fonte de receita. Enquanto prefeitos apelam com demissões e inadimplência, outros recorrem a soluções inusitadas para tentar garantir a continuidade dos serviços, como o rodízio.

Semana passada, as 102 prefeituras de Alagoas fecharam em protesto contra a queda de repasse dos fundos de participação de estado e municípios, que tem como uma das principais fontes o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) - reduzido pelo governo federal em produtos como automóveis, para evitar maior dano à economia do país.

Um dos piores efeitos é na saúde. Os dois maiores hospitais do estado correm risco de fechar, como deve acontecer esta semana com a maior maternidade pública do estado, a Santa Mônica, onde 80% dos médicos pediram demissão coletiva alegando baixos salários. Embora o secretário de Saúde, Herbert Motta, negue o fechamento, já foram desativadas 21 das 36 unidades de Cuidado Intensivo (UCIs). Nas cidades de Capela e Cajueiro, os prefeitos acertaram um revezamento entre os hospitais para evitar o mesmo caminho:

- É para economizar. Um dia funciona o de lá, no outro, o de cá. Os doentes são levados de ambulância - contou Antônio Palmery.

Em Pernambuco, o prefeito Elias Gomes (PSDB) deflagrou em Jaboatão dos Guararapes (a 18 quilômetros da capital) a "economia de guerra". Decretou "moratória informal" e deixou de pagar todos os débitos contraídos antes de janeiro. Reduziu em 20% o consumo de combustível e em R$300 mil os gastos mensais com limpeza urbana e iluminação. E foram suspensos os planos para pavimentar cem ruas e reformar 70 postos de saúde.

- Se antes era difícil, agora vai ser pior ainda manter a esperança de ver essa rua calçada - afirma Galileu Gomes Michilles Júnior, coordenador da Associação de Moradores de Massaranduba do Campo, comunidade que sofre com alagamentos.

Com 81% dos 16.500 moradores em situação de pobreza, um dos piores índices de desenvolvimento social do país, Araçoiaba, a 60 quilômetros de Recife, se mantém com o repasse do Fundo de Participação dos Municípios. Só 3% dos domicílios têm saneamento básico, situação que foi tema de campanha de Severino Alexandre Sobrinho (PSB). O prefeito agora não sabe como cumprir a promessa de construir casas. Quase 40 famílias ocupam barracos vizinhos ao cemitério local.

- A gente está aperreado demais. Moro, a bem dizer, na cova. A única parede de minha casa é o muro do cemitério - diz Maria Estela Cabral Oliveira, de 27 anos, ex-garçonete, que vive de R$82 do Bolsa Família.

No Piauí, Nazária também vive situação complicada. O município se emancipou da capital, Teresina, bem no meio da crise global. No Posto de Saúde, o autoclave, aparelho usado para esterilização de instrumentos odontológicos e cirúrgicos, está quebrado desde dezembro e não foi consertado por falta de recursos.

- Atendíamos de 120 a 130 pessoas por dia. Agora, se uma pessoa precisar de uma simples sutura, não é possível usar nem a tesoura - lamenta a auxiliar Anatália Rodrigues, lembrando que os médicos faziam até partos e pequenas cirurgias.

- Não é só autoclave. Estão faltando médico, remédios, merenda escolar. Os moradores cobram, com razão, a solução desses problemas, e não tenho dinheiro para resolver. Sei administrar, mas não se administra sem dinheiro - diz o prefeito de Nazária, Ubaldo Nogueira, do PTB.

Em Granjeiro, servidores estão sem receber. No município de 5 mil habitantes a 458 km de Fortaleza, apenas professores foram poupados. A prefeitura funciona em meio expediente, e a partir de abril o salário dos servidores será reduzido.

Em Itaiçaba, com 8 mil habitantes, a 172 km de Fortaleza, a companhia energética cortou a luz em vias e praças por atraso de pagamento. A contenção de gastos chegou ao nível da "economia de palito". Material de limpeza, como detergente e desinfetante, é diluído em água. Canetas são amarradas para que não sumam. Saídas em carros oficiais são otimizadas, inclusive para levar pacientes. A economia já é de 20%. O prefeito negocia a redução proporcional do salário e da jornada de trabalho dos servidores para evitar demissões.

- O cinto já está no último ponto. O Nordeste está ferrado. O que era marolinha, para nós, está virando tsunami - disse o prefeito Frank Gomes, de Itaiçaba, comentando a orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

* Especial para O GLOBO