Título: Há espaço para remover obstáculos
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 13/04/2009, O Mundo, p. 19

Secretário-geral da OEA acredita que reunião de cúpula esta semana aliviará tensões entre EUA, Venezuela e Equador

Muitos países latino-americanos vão aproveitar a Cúpula das Américas, em Trinidad e Tobago, para sugerir a reintegração de Cuba aos organismos multilaterais da região e pedir aos EUA o fim do embargo ao regime dos irmãos Castro. Há quem acredite que chegou a hora de se iniciar, por exemplo, um processo de integração de Cuba à Organização dos Estados Americanos (OEA) ou ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Para José Miguel Insulza, secretário-geral da OEA, apesar de Cuba ser um assunto bastante discutido pelos países latino-americanos que participam da reunião, a grande atração será mesmo o presidente dos EUA, Barack Obama, já que o encontro será a sua primeira oportunidade de contato com a imensa maioria dos chefes de Estado da região

Gilberto Scofield Jr.

O senhor acha possível uma reaproximação de Cuba com as instituições americanas, a começar pela OEA?

JOSÉ MIGUEL INSULZA: Particularmente, penso que temos as melhores condições, agora, para que isso ocorra. Assim acham muitos países da região, que pedem até mesmo o fim do embargo americano, mas este processo não é algo que possa ocorrer logo. Primeiro, porque o embargo é uma decisão do governo americano e do Congresso, e ainda há opiniões muito divergentes sobre o assunto. No caso da volta de Cuba para a OEA, de onde o país foi suspenso em 1962, esta é uma decisão da assembleia geral da organização e não da Cúpula das Américas. E o que a própria assembleia geral da OEA decidiu é que todos os países-membros devem estar comprometidos com os princípios democráticos. Curiosamente, o que difere esta Cúpula das Américas de outras é que em Trinidad e Tobago estarão sentados 34 líderes de países democráticos.

Venezuela e Bolívia se enquadram nesta definição?

INSULZA: Tudo o que ocorre nestes países foi feito com a aprovação popular e o voto; então não se pode questionar a legitimidade dos regimes. Não há países nesta cúpula que não tenham governantes eleitos.

Mas há um grande jogo diplomático neste encontro que pode facilitar a reaproximação de Cuba, correto?

INSULZA: Claro, mas é preciso saber qual a prioridade de Cuba. Se ao país interessa voltar aos organismos multilaterais ou se pensa apenas no fim do embargo e no crescimento econômico. Esta é uma reunião de cúpula de países com boa vontade, mas boa vontade, sozinha, não é suficiente para provocar mudanças.

Qual será, então, a grande atração desta reunião?

INSULZA: Sem dúvida, o presidente Obama é a grande atração desta cúpula e sua natureza mais conciliadora pode resultar em acordos de cooperação em várias áreas. Há pontos em comum entre os países que podem ser tratados multilateralmente, como o combate aos efeitos da crise no desenvolvimento e no combate à miséria, ações contra o aquecimento climático, contra o crime organizado e o tráfico, imigração e energia. Há espaço até para a remoção de obstáculos que hoje atrapalham as relações entre EUA, Venezuela e Equador. Até agora, os EUA só conversavam com a América Latina com relação a crime e tráfico de drogas. Agora, os países latino-americanos querem falar de desenvolvimento. E parece que Washington também. Ou seja, há uma agenda comum hoje.

O governo de Barack Obama ainda não escolheu os diplomatas que deveriam cuidar da América Latina e o cargo de negociador especial para as Américas nem saiu do papel. Isso não seria falta de preocupação com a região?

INSULZA: Acho que a questão da equipe é falta de tempo mesmo, não falta de interesse. Até onde eu sei, Obama preferiu que os diplomatas que já cuidam há algum tempo da região se ocupassem de preparar a missão para a Cúpula das Américas, que estava muito próxima da posse, em janeiro, do que botar gente nova cuidando do assunto.

Há chance de o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) ser retomado?

INSULZA: A ideia está congelada. Acho que pode ter espaço para avanços nos acordos bilaterais de comércio que estão parados no Congresso dos EUA, como os acordos com Panamá e Colômbia, mas não há espaço para retomar um projeto tão grande. A preocupação agora é evitar o aumento do protecionismo na região.

Qual a importância da relação entre Obama e Lula para os países da América Latina?

INSULZA: A importância do Brasil cresceu muito nos últimos anos, e o país é hoje uma liderança regional e global muito forte. É certo que o diálogo entre Lula e Obama ajuda a chamar a atenção para a região, mas ele não substitui o diálogo que os EUA precisam ter com todos os países da América Latina.