Título: Juros baixos na marra
Autor: Duarte, Patrícia; Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 09/04/2009, Economia, p. 19

Governo muda presidente do Banco do Brasil, que terá como meta conceder mais crédito barato.

Ao confirmar ontem a demissão de Antonio Lima Neto da presidência do Banco do Brasil (BB), antecipada pelo colunista Ancelmo Gois na edição de ontem do GLOBO, o governo deu início a uma nova e mais agressiva fase para tentar derrubar os juros e os spreads bancários (diferença entre o custo de captação de dinheiro e a taxa cobrada dos clientes nos empréstimos) e provocar uma verdadeira ¿guerra de preços¿ no mercado. Para isso, explicou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, serão impostas ao novo comandante do BB, Aldemir Bendine, metas de desempenho, uma espécie de contrato de gestão. Entre elas, acelerar as concessões de crédito, reduzir os custos de financiamento, ampliar a atuação no mercado de seguros e ganhar market share. A intenção é fazer o BB influenciar os bancos privados. Com o anúncio da decisão, as ações do banco despencaram 8,15% ontem na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).

Bendine, que tem fortes ligações com o PT e ocupa hoje a vice-presidência de Cartões e Novos Negócio de Varejo, assume no próximo dia 23.

¿ O Aldemir Bendine assume com um contrato de gestão em que vai se comprometer a agilizar a liberação de crédito, concorrer com os grandes bancos e incorporar novos clientes, aproveitando essa vantagem que tem o Brasil em relação a outros países ¿ disse Mantega.

Segundo ele, nos próximos dias serão divulgadas as novas metas. O BB terá de apresentar ao governo um levantamento detalhado dos juros cobrados em todas as linhas para definir onde serão feitos os cortes, de acordo com uma fonte.

¿ Vai ter uma política mais agressiva do que a que vinha sendo feita.

Vamos ampliar a concorrência, que no sistema financeiro é incipiente e insatisfatória, e um dos motivos para os spreads elevados ¿ afirmou Mantega.

Dilma: pensam que são de banco privado

A utilização do BB ¿ o segundo maior banco do país ¿ para aumentar a concorrência no setor bancário é a principal medida do pacote no qual o Executivo trabalha para reduzir o custo dos empréstimos. Outras ações, de menor alcance, serão anunciadas em breve, como a criação do cadastro positivo, via medida provisória, e a adoção de mecanismos para elevar a segurança jurídica dos contratos.

O poder de fogo do BB é grande. Só a carteira de crédito ultrapassa R$ 200 bilhões, detendo entre 30% e 40% do segmento de pessoas físicas e se expandindo na área de veículos, após a compra do Votorantim. O BB controla ainda o crédito rural e o financiamento às exportações.

¿ Como funciona em todo oligopólio, um grande baixa o preço e força os demais a fazerem o mesmo.

O BB vai sofrer, vai ter de reduzir o spread, vai perder rentabilidade, vai ter de diminuir despesas administrativas ¿ explicou ao GLOBO um interlocutor da equipe econômica.

Apesar dos lucros nos últimos anos, o governo avalia que o BB é ineficiente e que isso é mascarado por seu tamanho.

Há também queixas, principalmente de empresas, sobre entraves burocráticos para concessão de crédito.

Com a piora da crise, em setembro, o governo passou a pressionar o BB para ousar na concessão e na queda de custo do crédito. Lima Neto não atendeu e foi fritado. A posição do Planalto foi verbalizada ontem pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, em reunião com centrais sindicais.

¿ Nós não aguentamos mais discutir com presidentes de bancos públicos, porque eles pensam que são presidentes de bancos privados ¿ disse a ministra, segundo relato do deputado Paulo Pereira da Silva (PDTSP), presidente da Força Sindical.

Mantega negou interferência política.

Argumentou que não haverá perda de rentabilidade. No ano passado, o BB registrou lucro recorde de R$ 8,8 bilhões. Bendine argumentou que os futuros cortes nos spreads serão compensados pelo aumento no volume de crédito. Para ele, a solidez da economia permite custos menores: ¿ (Corte nos juros) já é algo estabelecido. O que vamos combater, do ponto de vista da rentabilidade, é a queda do spread com aumento do volume de crédito.

Em algumas linhas, perde para privados

Lima Neto negou pressão do governo para reduzir juros: ¿ É um ciclo que se completa e temos de seguir adiante. Estou satisfeito de ter concluído passos importantes da gestão do BB com o apoio do governo, em especial da Fazenda.

Bendine também terá de explicar a Mantega por que os cartões de crédito aumentaram a taxa de administração cobrada dos lojistas, já que ele preside a associação do setor, a Abecs. A solicitação saiu ontem de reunião do Grupo de Acompanhamento da Crise (GAC), na Fazenda.

As críticas aos spreads encontram eco nos juros que o BB cobra das empresas. Apesar de ter o crédito mais barato entre os grandes bancos no desconto de duplicatas, na modalidade de conta garantida, por exemplo, o BB cobra em média 5,33% ao mês, bem acima de concorrentes privados, como ABN Amro/Real (2,86%) e Bradesco (3,80%). Os dados constam do ranking de juros do Banco Central. O BB fica atrás de Santander, HSBC e ABN, nessa ordem, na linha corporativa para aquisição de bens. Já em capital de giro o BB é competitivo: só Santander tem taxas melhores. O BB, nesse caso, é tão vantajoso quanto a Caixa.

Nas principais modalidades de crédito para o consumidor, como cheque especial e crédito pessoal, os juros do BB só são maiores que os da Caixa.

Estes, ao contrário dos grandes bancos privados, já reduziram as taxas para patamares inferiores aos de antes da crise global, seguindo orientação do governo. Na comparação entre agosto de 2008 ¿ antes da explosão da crise ¿ e março deste ano, a taxa máxima do cheque especial no BB caiu 0,65 ponto percentual, de 8,56% para 7,91%. As críticas ao banco se referem, porém, à decisão de aumentar os juros, que chegaram a 8,62% entre outubro e dezembro, no auge da turbulência, influenciando o resto do mercado.

¿ Não existe explicação técnica para os altos spreads no Brasil. É preciso usar ainda mais o poder de fogo dos bancos federais para fomentar o crédito e acirrar a competição no setor ¿ disse o vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel de Oliveira.

Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a maior demanda por crédito interno de grandes companhias, que antes da crise se financiavam no exterior ou no mercado de capitais, inflacionou o custo do dinheiro para tomadores menores.

COLABORARAM Luiza Damé e Martha Beck