Título: Câmara libera gastança
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 08/04/2009, O País, p. 3

Baixo clero pressiona e Casa desiste de moralizar uso da verba indenizatória e de passagens.

Numa única reunião, a Mesa Diretora da Câmara, pressionada pelos deputados, recuou ontem na decisão de moralizar o uso da verba indenizatória e da cota de passagens aéreas a que os parlamentares têm direito. Foram suspensas as restrições anunciadas na semana passada com gastos em alimentação e assessorias, por exemplo. Além disso, a Mesa anunciou que será ampliado para R$150 milhões o gasto para reformar todos os apartamentos funcionais nos próximos dois anos. Até então, estava mantido o cronograma de reforma de alguns blocos, ao custo de R$74 milhões. Com a nova decisão, e um custo a mais de R$76 milhões, a Casa passará a ter 528 apartamentos de quatro e de dois quartos, no lugar dos atuais 432 de quatro quartos. Será aberta nova licitação para a ampliação da obra.

Como haverá sobra de 15 apartamentos, já que há 513 deputados, essas unidades funcionarão como reserva técnica, segundo o 4º secretário, Nelson Marquezelli (PTB-SP). Autor da proposta, ele argumenta que, após a reforma, a Casa abolirá o auxílio-moradia, promovendo uma economia anual de R$13 milhões.

Segundo dados da Mesa Diretora, 56% dos deputados moram em apartamentos funcionais. Os demais recebem auxílio-moradia mensal de R$3 mil. Hoje, o gasto com o alojamento dos parlamentares em Brasília, inclusive com a manutenção dos prédios, chega a R$18 milhões por ano.

- Nossa ideia é diminuir gastos. Depois da reforma, vamos acabar com o auxílio-moradia. Vamos oferecer dois tipos de apartamento: um menor, de dois quartos, e outro maior, para o deputado que quiser morar com a família em Brasília. Parlamentares de estados próximos, como Goiás e Minas Gerais, vão preferir os apartamentos menores - justificou Marquezelli.

Com forte pressão dos deputados, a Mesa Diretora optou por não mudar a regra atual para emissão de passagens aéreas. Com o atual modelo, o parlamentar acumula créditos referentes ao direito de cinco bilhetes de ida e volta para o estado de origem. O menor valor é para o deputado de Goiás, que recebe um crédito mensal de R$9.171, e o maior crédito é para o parlamentar de Roraima, que tem direito ao valor de R$18.737 por mês.

Com o crédito, o deputado pode hoje usar a cota mensal de transporte aéreo até para alugar aeronaves. Muitos costumam acumular créditos durante um ano para fazer viagens pessoais, inclusive ao exterior. Repassar os bilhetes a familiares, assessores e até para eleitores é prática considerada comum. Houve uma tentativa de restringir essa farra, mas tudo continua permitido.

Segundo o 3º secretário, Odair Cunha (PT-MG), haverá agora rigor maior na fiscalização do uso das passagens. Apenas um funcionário do gabinete poderá fazer a emissão de bilhetes. A regra atual permite que dois assessores cuidem do assunto. A tentativa é reprimir a possibilidade de comercialização dos créditos emitidos pelas companhias aéreas - o que se suspeita que ocorre.

- A Mesa entendeu que, no exercício do mandato parlamentar, um deputado tem o direito de usar sua cota de passagem, inclusive para repassar a familiares. A ideia é reafirmar a responsabilidade do deputado, sem limitar sua atuação - explicou Odair Cunha, fazendo, porém, uma ressalva: - Agora, não entendo filantropia como uma atividade parlamentar.

Por causa da forte cobrança dos deputados, a Mesa também foi obrigada a recuar na decisão da semana passada e voltou a permitir o uso da verba indenizatória de R$15 mil - para custear despesas com o mandato no estado - com gasto parcial com alimentação. Mas, agora, só poderão custear esse tipo de despesas nos estados, não mais em Brasília.

Também foi encontrada uma brecha para rever a proibição total para gastos em pesquisas e assessoria técnica. Esses dois itens, depois do recuo, poderão ser executados por um gabinete quando feitos dentro de uma consultoria. Mas pesquisas eleitorais permanecem proibidas.

- Houve reclamações dos deputados com a proibição de gasto com alimentação nos estados. Por isso, a Mesa teve que reavaliar a decisão anterior - justificou o 1º secretário, Rafael Guerra (PSDB-MG).