Título: O dossiê dos royalties
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 08/04/2009, Economia, p. 19

RATEIO SOB SUSPEITA

Relatório da PF que cita diretor da ANP será anexado a inquérito sobre desvio de recursos.

Após passar um ano e quatro meses praticamente parado, o inquérito aberto em dezembro de 2007 pela Polícia Federal para investigar supostas fraudes na distribuição dos royalties do petróleo aos municípios fluminenses terá andamento. O superintendente da PF no Rio, delegado Ângelo Gioia, anunciou ontem que a investigação vai incorporar um relatório de inteligência, provavelmente produzido antes do inquérito, que levanta suspeitas sobre o envolvimento de dirigentes da Agência Nacional do Petróleo (ANP), incluindo Victor Martins (irmão do secretário de Comunicação do governo federal, Franklin Martins), em um esquema criado para incluir ou aumentar a participação de determinadas cidades na divisão das fatias dos royalties.

- Não haverá proteção a quem quer que seja. Nosso objetivo é alcançar os responsáveis - garantiu Gioia.

De acordo com o relatório, Victor Martins seria suspeito de participar de um esquema de desvio de royalties e favorecimento de prefeituras por meio de sua empresa Análise Consultoria. Anteontem, Martins divulgou uma carta afirmando que, apesar de sócio da Análise Consultoria, está afastado de sua gestão desde que assumiu o cargo na ANP, em 2005. E que, desde então, não assinou qualquer contrato com prefeitura ou empresa. Ontem, procurado pelo GLOBO, Martins não quis se pronunciar sobre o assunto.

Baseado em notícias divulgadas ao longo de 2007 sobre manipulação dos recursos do petróleo destinados aos municípios, o inquérito de 29 páginas, mais um anexo de 93 páginas, avançou pouco. O primeiro titular do caso, delegado Oswaldo Scalezi, concentrou as investigações nas circunstâncias em que Duque de Caxias e Angra dos Reis foram promovidos à chamada "zona primária ou principal" de produção de royalties, o que garantiu às prefeituras o aumento de sua participação no valor do benefício.

MP investigará apuração paralela

A "zona primária ou principal" inclui os municípios que ficam em frente a poços produtores, além daqueles onde estão localizadas três ou mais instalações industriais da Petrobras para determinados fins produtivos. São as cidades que mais recebem royalties.

No inquérito, há cópias de documentos trocados entre Getúlio da Silveira Leite, superintendente de Controle das Participações Governamentais da ANP, e Francisco Nepomuceno Filho, gerente-executivo da Petrobras, sobre a veracidade das alegações feitas pelas prefeituras de Angra e Caxias para fazer jus ao aumento dos royalties. Reportagens também anexadas pela PF informam que, em ambos os casos, os contratos dessas prefeituras com a Petrobras foram mediados por uma empresa de consultoria, a Petrobonus.

O inquérito também cobrou explicações do diretor de Segurança Empresarial da Petrobras, Pedro Aramis Lima Arruda, sobre os critérios usados na distribuição de royalties para os municípios do Estado do Rio.

O atual responsável pelo caso, delegado Clayton Bezerra, da Delegacia de Polícia Fazendária, disse ontem que, como assumiu o caso no início do ano, pediu ao Ministério Público mais prazo para estudar o inquérito. Ele só tomará providências após entender a natureza das denúncias e o suposto envolvimento das pessoas citadas no dossiê - além de funcionários da ANP, há nomes de advogados e dirigentes de empresas de consultoria e fornecedoras de combustíveis.

O procurador da República Marcelo Freire, que acompanha o inquérito, ainda não decidiu sobre o prazo solicitado. Ontem, ao receber os dois volumes do relatório e não encontrar o dossiê sobre as denúncias divulgado nos últimos dias pela mídia, disse que abrirá procedimento administrativo na Controladoria Externa do MP para apurar se há investigação paralela:

- Esse relatório não está nos autos. Se existir algum tipo de investigação paralela, isso é muito grave.

A PF também vai tomar providências sobre o dossiê. O superintendente Ângelo Gioia anunciou que abrirá novo inquérito para apurar responsabilidades pelo vazamento. Ele garantiu, porém, que esta apuração não prejudicará as investigações em torno do conteúdo do relatório de inteligência.

- Não posso afirmar, mas pelas características esse dossiê saiu na nossa inteligência. Vamos investigar e descobrir também as razões para não fazer parte do inquérito oficial.

Gioia negou que o primeiro responsável pelo caso, Scalezi, tenha sido transferido para a Superintendência da PF em São Paulo para sair do caso:

- Ele foi para lá a pedido, numa permuta com outro delegado que queria transferência para o Rio. Não houve intenção alguma de afastá-lo.

De acordo com os objetivos do inquérito, a PF buscará provar se, no caso dos municípios privilegiados na distribuição dos royalties, ocorreram crimes de peculato, concussão, corrupção, prevaricação e crime contra a incolumidade e a paz pública.

oglobo.com.br/blogs/adriano