Título: Dinheiro tipo exportação
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 12/04/2009, Economia, p. 25

Casa da Moeda investe US$ 250 milhões para ampliar a presença internacional do Brasil.

ACasa da Moeda assumiu um papel-chave dentro do governo na estratégia brasileira de aumentar sua presença internacional ¿ produzindo para terceiros mercados e promovendo o comércio em moedas locais. Sem alarde, a empresa está em pleno processo de licitação para compra de duas novas linhas de produção de cédulas e de uma nova máquina voltada à cunhagem de moedas. Ao todo, o investimento soma cerca de US$ 250 milhões e vem ao encontro da expectativa de aumento de até 110% na demanda por cédulas projetada pelo Banco Central (BC) até 2018, que não foi alterada pela crise econômica.

Nos próximos nove anos, a produção anual de cédulas deverá passar de 2,175 bilhões para 4,560 bilhões.

A fabricação de moedas cresceria 20% nesse período: atualmente são produzidos dois bilhões e, em 2018, serão 2,4 bilhões. Sem novos investimentos, ela não teria como dar conta da encomenda. O cronograma do BC prevê uma expansão constante ano a ano, sendo que cerca de 80% das moedas serão usadas para repor as perdas com o desgaste natural das notas e 20% para aumentar a oferta de dinheiro. Há 15 anos não se produzia a quantidade de dinheiro que se projeta para os próximos anos.

O processo de licitação internacional para compra de duas linhas de produção se encerra no próximo dia 22. A última compra desse quilate ocorreu há 35 anos. Nesse cenário, o mercado externo está no radar dos estrategistas do governo. É o que admitiu ao GLOBO o presidente da instituição, Luiz Felipe Denucci, na primeira entrevista à imprensa desde que assumiu o cargo, em julho passado: ¿ Se você quer ser uma potência emergente, precisa ter uma moeda forte, de boa aparência e aceitabilidade.

É um trabalho estratégico ¿ afirmou Denucci.

Real já é usado no comércio exterior

Hoje, a moeda brasileira já é utilizada para pequenos negócios nas regiões da fronteira seca, da Argentina à Venezuela. Mas a instituição do Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML), que eliminou o dólar das transações comerciais entre Brasil e Argentina, deverá ter um efeito multiplicador no uso do real no continente.

Por este sistema, o exportador emite uma fatura na moeda de seu país e, no vencimento previsto, recebe em sua conta bancária o montante estabelecido, exatamente como ocorreria se a operação tivesse sido realizada no mercado local.

O mesmo mecanismo está sendo negociado com Chile, Colômbia e Uruguai e pode ser estendido a outros países, como a China. Além de reduzir custos, ele melhora as condições de liquidez para o mercado.

Para o economista Márcio Nakane, da consultoria Tendências, se o mecanismo se consolidar, os bancos centrais dos países passarão a ter em suas reservas uma quantidade de moeda dos vizinhos, o que estimulará a moeda brasileira: ¿ Isso criará uma demanda regional para ter real.

E, com a estabilidade e a valorização do real, ele tende a se tornar uma reserva de valor cobiçada por investidores vizinhos e passível de ser trocado em casas de câmbio, como ocorre com euro e dólar.

¿ Ter uma moeda de curso internacional, ainda que nos países da região, já é muita coisa ¿ diz Nakane.

Denucci afirma que a maior circulação física de moedas entre os países não foi tratada explicitamente entre os governos, mas ele admite que poderá ser um efeito colateral: ¿ Talvez esteja no espírito (das trocas internacionais) ter uma moeda confiável. Aí entra a Casa da Moeda, como um dos elementos de suporte do governo, com uma moeda segura, moderna e bem feita. Mas o mercado interno é nossa prioridade.

A economia local é que deve absorver a maior parte desse dinheiro vivo. O apetite pelo papel-moeda vem da estabilidade e do crescimento econômico.

¿As projeções para 2018 consideram um volume máximo, tendo em conta a premissa de manutenção do comportamento da economia em condições de estabilidade¿, afirma o BC.

Mas o volume de moeda circulante no Brasil ainda é pequeno ¿ era de 1% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) em 1994 e passou a 3,7% em 2008 ¿ enquanto nos EUA chega a 7% e na União Europeia, a 6,7%. Segundo a assessoria do BC, a queda da inflação, associada a um ambiente de queda de juros, pode ter contribuído para o maior uso da moeda corrente no país.

O BC destaca ainda o maior acesso a serviços bancários no país e programas sociais pagos em espécie. O presidente da Casa da Moeda faz coro: a ampliação do Bolsa Família para mais de 1,2 milhão de pessoas fará com que um contingente expressivo da população passe a receber em espécie.

¿ São pessoas que estão sendo incorporadas ao sistema monetário nacional ¿ explica Denucci.

Segundo Carlos Eduardo de Freitas, ex-diretor do BC, pensou-se que o Brasil poderia chegar a ter volume de moedas e cédulas correspondente a 5% do PIB. A meta foi atropelada pela inflação, que corroia o valor, a insegurança e o sistema bancário sofisticado.

Para ele, é possível chegar a esse patamar nos próximos anos: ¿ Chegar a 5% é um percentual internacional.

Instituição busca negócios na África

Ao mesmo tempo que vai produzir dinheiro para os outros, a Casa da Moeda está empenhada em aumentar seu próprio caixa. Afastada desde os anos 80 do mercado internacional, a empresa está retornando às licitações, atrás de contratos e participação para produzir o dinheiro estrangeiro. Nos próximos meses, Argentina, Haiti, Costa Rica e Venezuela deverão abrir concorrências. São licitações para entrega em 2010, o que coincidirá com o novo parque industrial.

¿ Temos uma margem e com ela podemos entrar no mercado internacional ¿ afirma Denucci.

A África ¿ sobretudo os países de língua portuguesa ¿ está na mira.

Para Denucci, trata-se de uma oportunidade rara, por ser a porta de entrada do mercado continental, considerado bastante promissor: ¿ Em Angola temos informações de que eles estão necessitando rever seu padrão monetário e já mandamos nossos batedores fazerem prospecção.

Queremos ser uma empresa de grande porte nas relações Sul-Sul. Não entramos para perder.

A atividade internacional, voltada até recentemente aos países latinos, foi asfixiada pelo gargalo da produção.

Sem novos equipamentos, a produção teve de se voltar para o mercado interno, prioritário por lei.

¿ Não podíamos ir atrás de outros mercados porque não havia como entregar ¿ explica Denucci.

A limitação internacional, ainda assim, não impediu a empresa de crescer no último ano. Além do BC, a Casa da Moeda tem clientes de peso como a Receita Federal, que compra selos de controle fiscal. Anualizado, é um contrato de R$ 900 milhões. Para a Polícia Federal, a empresa faz os passaportes de última geração. Com contratos assim, o faturamento da Casa da Moeda deu um salto de 56% em 2008, passando de R$ 473 milhões para R$ 738 milhões, e a expectativa é que este ano cresça 103%, chegando a R$ 1,5 bilhão.

O lucro no ano passado foi de proporções chinesas: 259% ¿ de R$ 28,8 milhões para R$ 103,5 milhões.

O alvo de ação agora são os novos negócios. Em março, foi reativada uma fábrica de cartões de orelhão, que começou a produzir para a operadora Oi. Em 2009 serão produzidos 40 milhões de cartões.