Título: As mudanças agora serão ainda mais profundas
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Fonte: O Globo, 12/04/2009, Economia, p. 27

Correspondente

O GLOBO: As mudanças no FMI são o resultado de um processo em andamento por causa dos desgastes que o próprio Fundo já enfrentava ou são uma consequência da crise econômica? PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.: O Fundo é uma instituição pesada e rígida, mas o agravamento da crise foi tão grande que acelerou as mudanças que vinham sendo preparadas na instituição.

A crise facilitou o trabalho dos países que defendiam alterações no FMI, que achavam que o Fundo precisava mudar para atender melhor a seus paísesmembros. Este processo de mudanças já começou.

A crise ajudou a adoção, pelo Fundo, de exigências de países emergentes? NOGUEIRA: Não existem exigências.

O processo no Fundo é de negociação, debates e análise de propostas. O Brasil tem bom diálogo com todos os países, mas é claro que há mais proximidade com os emergentes e países desenvolvidos mais flexíveis para as mudanças.

Como, por exemplo? NOGUEIRA: Com os Brics (Rússia, Índia, China, além do Brasil), com a diretoria gerenciada pela Argentina e com países ricos como EUA e Japão. Onde temos menos proximidade é com alguns países europeus.

A Europa é hoje a maior resistência às mudanças? NOGUEIRA : Orealinha mento das cotas do FMI não será fácil, apesar de a crise ser um fator de pressão e as mudanças serem óbvias diante de uma nova realidade geopolítica. Há setores dentro do Fundo que estão superrepresentados, como os europeus.

O curioso é que os discursos esclarecidos de líderes europeus aparentemente progressistas na reunião do G-20 em Londres, como o do premier inglês, Gordon Brown, ou do presidente francês, Nicolas Sarkozy, não têm correspondência prática das diretorias destes países dentro do Fundo. São frases de efeito somente. A Europa sabe que está superrepresentada mas não quer ceder espaço no FMI.

E os EUA? NOGUEIRA: Os EUA têm uma posição no FMI coerente com o PIB do país no mundo. Eles têm uma cota de 17% no Fundo para uma fatia do PIB mundial de 20%.

Mas a União Europeia tem pouco mais de 30% das cotas do FMI, uma fatia bem acima da importância do continente no planeta.

Mas a Europa foi uma das regiões que mais criticaram o FMI há pouco mais de um ano.

NOGUEIRA: Apesar das críticas, o Fundo é visto como importante por todos os governos.

Mesmo na época em que se dizia que o Fundo perdeu relevância, quando os países não tinham mais dívidas com a instituição, ninguém queria perder espaço aqui dentro. A reforma das cotas aprovada em abril de 2008, antes da crise, e que elevou a participação de 40 países no FMI, enfrentou grande resistência dos europeus, que não queriam perder espaço nem mesmo num organismo em declínio.

Essa reforma não tem a ver com o compromisso assumido pelos países na reunião do G20 em Londres, correto? NOGUEIRA: Não tem a ver.

Foram decisões anteriores, que ainda não estão implementadas porque dependem da aprovação dos Congressos dos países que precisam aportar mais dinheiro, como o Brasil.

As mudanças agora prometem ser ainda mais profundas e mais difíceis. O fato é que a crise devolveu ao FMI a importância que ele havia perdido com o desenvolvimento global. A instituição voltou a emprestar a países, como agora estamos estudando um pacote para o México dentro da nova linha de crédito flexível.

Quanto o Brasil vai aportar nesta nova reforma? NOGUEIRA: Não sabemos ainda porque depende do novo realinhamento das cotas.

Há um prazo para isso? NOGUEIRA: O comunicado do G-20 diz que a data para revisão geral das cotas é janeiro de 2011.

O processo foi antecipado por causa da crise e há um reconhecimento de que esta situação de des equilíbrio econômico não será resolvida sem a participação dos países emergentes. Foi o mesmo processo que transformou o G-7 no G-20 como principal fórum de discussões sobre a nova realidade do mundo.

A possibilidade de o Brasil emprestar US$ 4,5 bilhões ao FMI tem importância política? NOGUEIRA: O Brasil passa a fazer parte do chamado Plano de Transações Financeiras, que reúne os países que contribuem para as operações de empréstimos do Fundo. São apenas 47 países e estar nesta lista mostra o Brasil como um parceiro do FMI no combate à crise financeira mundial, já que o dinheiro servirá para emprestar a países com dificuldades neste momento.

O corpo técnico do FMI participou da mudança ou resistiu? NOGUEIRA: O Fundo é conservador, mas estruturado, ou seja, ele funciona da maneira razoável, com técnicos qualificados que, dependendo do direcionamento político dado pelos países-membros, pode apressar todos os processos.