Título: Pacto entre os poderes prevê arresto de bens sem autorização judicial
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 14/04/2009, O País, p. 4

"Ninguém aqui é freira e santa, e não estamos em um convento", diz Lula.

BRASÍLIA. O II Pacto Republicano, assinado ontem pelos presidentes dos três poderes, determinou, entre outras medidas, o envio ao Congresso de um projeto que admite o arresto administrativo de bens de pessoas com dívidas com a União. Atualmente, só a Justiça pode determinar o bloqueio de um bem para impedir a venda e preservar uma garantia de pagamento do valor devido. A ideia do governo é que o governo seja autorizado a determinar esse bloqueio automaticamente. Os detalhes da proposta não foram divulgados.

O pacto foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e pelos da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Ele prevê também um esforço especial para garantir prioridade na aprovação pelo Congresso de novas regras para punir o abuso de autoridade e a elaboração de um projeto para a regulamentar o funcionamento de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). Segundo Sarney, há até uma proposta de mudanças na regra de pagamento de aviso prévio no trabalho.

Lula trata divergências entre poderes com humor

Num discurso bem humorado, Lula tratou com naturalidade as eventuais divergências entre os três Poderes. Disse que os integrantes de Executivo, Judiciário e Legislativo não são freiras nem santas:

- Vou repetir uma coisa que digo todo dia: de vez em quando, muita gente inventa uma briga entre o Executivo e o Congresso, entre o Poder Judiciário e o Executivo, e o Congresso. Primeiro, ninguém aqui é freira e santa, e não estamos em um convento. Não me consta, na história, que em convento também não tem briga.

Como parte do pacto, Lula assinou e enviou ao Congresso cinco projetos relacionados a execução de dívidas da União. Além do arresto administrativo de bens, o pacote prevê que a Fazenda Nacional poderá indicar bens que podem ser penhorados para pagamento de dívidas. Hoje, a indicação cabe apenas aos devedores. Segundo o secretário de Reforma do Judiciário, Rogério Favreto, em geral, os devedores indicam bens que não podem ser leiloados, o que dificulta a cobrança.

Outro projeto permitirá ao Estado fazer acordos e receber o pagamento de dívidas em disputa na Justiça. Hoje, é preciso aguardar decisões judiciais. Também é instituída a figura do juiz prevento para julgar ações individuais em massa ou coletivas sobre um mesmo assunto. A decisão dele valerá em todas as demais ações sobre o assunto.

O segundo eixo do pacto estabelece que o Congresso deverá dar prioridade a projetos sobre abuso de autoridades, algemas e interceptações telefônicas, entre outras medidas destinadas à regulamentação de investigações criminais. Quase todos os projetos estão em tramitação na Câmara ou no Senado.

Integrantes da cúpula do Judiciário, do governo e do Congresso estão insatisfeitos com a atuação de delegados, procuradores e juízes em investigações. No entanto, o pacote deixou em aberto o texto da nova lei contra abuso de autoridade. A comissão especial encarregada de elaborar o anteprojeto sobre o assunto não concluiu o texto. Há um projeto do deputado Raul Jungmann (PPS-PE), prevendo até oito anos de prisão para autoridades que cometerem abusos.

Pacto não deve restringir trabalho de CPIs

Nos discursos, Gilmar, Lula e Temer preferiram falar sobre aspectos gerais do pacto. Apenas Sarney foi explícito. Segundo ele, as novas medidas são importantes para estabelecer métodos de atuação da polícia:

- Os métodos de atuação da polícia são fundamentais para o respeito aos direitos humanos e a qualidade das provas.

Sobre o projeto de regulamentação das CPIs, também motivo de críticas do governo, Temer disse que o pacto não têm por finalidade restringir as comissões, mas coibir eventuais abusos de autoridade.

Segundo Lula, durante a elaboração da Constituição de 1988, "era quase proibido" falar de Reforma do Judiciário.

- A Constituição já está com 21 anos, portanto, ela tem que ser aperfeiçoada. As práticas que valiam há 20 anos podem não valer hoje - disse.

* Colaboraram Isabel Braga e Luiza Damé

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