Título: Congresso é mais conservador que Lula
Autor: Foreque, Flávia
Fonte: Correio Braziliense, 22/03/2009, Política, p. 8

Embora o presidente tenha postura avançada sobre aborto, cotas para negros e direitos dos homossexuais, projetos estão parados na Casa Reis diz que criminalização da homofobia está entre as prioridades O Executivo e o Congresso Nacional adotam posturas diferentes em relação a temas como aborto, cota para negros nas universidades e direitos de homossexuais. O discurso avançado do governo Lula contrasta com o receio do Legislativo de colocar em pauta assuntos polêmicos que levantam o debate na sociedade. Apesar do número expressivo de parlamentares da base aliada ¿ pelo menos 2/3 da câmara ¿ a visão do Executivo não tem respaldo no congresso.

Em 2003, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial foi criada com o intuito de combater a discriminação racial no país, principalmente em relação à população negra. Mas um dos temas de maior interesse para os movimentos raciais, a cota para alunos negros e de baixa renda nas universidades, permanece em discussão no Congresso há 10 anos. ¿O Executivo tem sido mais rápido que o Congresso, mas a natureza dele facilita esse posicionamento¿, pondera William Douglas, juiz federal e professor do Educafro, rede de cursinhos pré-vestibulares para estudantes negros e de baixa renda. Douglas participou de audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça do Senado na semana passada, na qual estudiosos se posicionaram a favor ou contra a reserva de vagas no ensino superior. Durante o evento, alguns senadores foram favoráveis à votação do projeto sobre as cotas sem novas alterações, uma vez que isso faria a proposta retornar à Câmara e adiaria mais uma vez a conclusão do assunto.

Saúde pública A questão da descriminalização do aborto também é alvo de controvérsias entre os dois poderes. Em evento recente promovido pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, o presidente Lula afirmou que o tema precisa ser entendido como uma questão de saúde pública ¿ posicionamento semelhante ao defendido pelo ministro da pasta, José Gomes Temporão. No Congresso, no entanto, a maior parte dos projetos são favoráveis ao endurecimento da atual legislação, a partir de medidas que tornam o aborto crime hediondo ou que proíbem a venda de métodos contraceptivos de emergência. Para Dulce Xavier, integrante da organização não-governamental Católicas pelo Direto de Decidir, a religião exerce uma grande influência sobre as decisões no Congresso. ¿A Igreja Católica precisa assimilar a ideia de que não faz mais parte do Estado. Ela tem o direito de defender essa visão junto aos fiéis, mas não entre os poderes¿, afirma.

Quando participou da primeira Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (GLBT) no ano passado, em Brasília, o presidente também reforçou a necessidade de avanços no tema. ¿No que depender do apoio do governo, no que depender do apoio do Poder Executivo e dos ministros, nós iremos trabalhar para que o Congresso Nacional aprove o que precisar aprovar neste país¿, afirmou na ocasião. O presidente da Associação Brasileira de GLBT, Toni Reis, aponta três projetos de prioridade: a criminalização da homofobia, o reconhecimento legal da união homoafetiva e a adoção do nome social de travestis e transexuais em documentos de identidade.

Embora a causa conte com o apoio da Frente Parlamentar pela cidadania GLBT, com mais de 200 deputados federais inscritos, propostas ligadas ao tema não avançam no congresso. A deputada Fátima Bezerra (PT-RN), por exemplo, apresentou há dois anos projeto de lei para criação do Dia Nacional de Combate à Homofobia. ¿É uma ideia simples com um significado didático, mas nem esse projeto avança¿, afirma a petista. ¿O ambiente político não é favorável, tanto é que os projetos estão encalhados há muito tempo nas comissões. O Congresso é muito impermeável a esse tema¿, avalia.