Título: Até ministros voam pela Câmara
Autor: Lima, Maria; Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 16/04/2009, O País, p. 3

Ministério Público dá prazo de um mês à Casa para normatizar uso de passagens

BRASÍLIA

Enquanto o Congresso resiste em normatizar o uso das cotas de passagens aéreas pelos parlamentares, novos casos de desvios comprovam a falta de controle do Legislativo no uso do dinheiro público.

Contrariando norma interna, deputados que se licenciaram para assumir vagas de ministro de Estado continuaram voando com os créditos de passagens da Casa. E, mais que isso, bancando viagens de parentes e outras pessoas.

Nessa situação estão José Múcio Monteiro (Relações Institucionais), Reinhold Stephanes (Agricultura) e Geddel Vieira Lima (Integração Nacional), segundo reportagem do site Congresso em Foco, que teve acesso à lista de passagens emitidas pelas principais companhias aéreas dentro do sistema de cotas do Legislativo. Múcio, diz a reportagem, usou o crédito para fazer 54 viagens, algumas para ele e muitas para assessores e parentes; Stephanes, 15 para ele, a mulher, filha e assessores; e Geddel, 4 vôos para a mulher e as filhas.

Assim que o parlamentar se licencia do mandato perde o direito à cota mensal de passagens, mesmo porque a verba passa a ser usada pelo suplente. Mas o que não é utilizado dessa cota no mês pode ser acumulado durante o ano e transformado em crédito, a ser gasto em outro momento.

Isso é permitido tanto aos deputados no mandato como aos licenciados. Assim, os ministros assumiram os cargos, mas levaram consigo os créditos. Por meio de suas assessorias, eles admitiram que as passagens foram utilizadas, mas alegaram que não cometeram irregularidades, porque a Câmara permite tal acúmulo. ¿Ao se licenciar, o ministro transformou o seu saldo de passagem em crédito. Portanto, ele usou este crédito pessoal, não cometendo nenhuma irregularidade¿, diz nota da pasta de Múcio.

O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), anunciou ontem que a Casa estuda medidas para disciplinar o uso de passagens. Ele avisou que ainda hoje, em reunião da Mesa a ser convocada, tomará uma decisão sobre o caso: ¿ Deixarei definitivamente clara essa matéria, transparecendo o que pode e o que não pode ser feito com a cota de passagens aéreas.

Isso terá efeito para o futuro.

A Procuradoria da República no Distrito Federal deu ontem um ultimato à Câmara: prazo de 30 dias para que sejam feitas alterações nas normas sobre o uso da cota de passagens aéreas pelos deputados, vedando expressamente a utilização desses recursos para emissão de bilhetes em nome de terceiros. O relatório preliminar das investigações feitas pelos procuradores na Casa mostra um cardápio de abusos e irregularidades, como a emissão de bilhetes para terceiros e para destinos diferentes do estado do parlamentar

Gasto de R$ 80 milhões em bilhetes aéreos

¿Os dados analisados pelo MPF comprovam que não há controle por parte da Câmara na destinação dos recursos. Prova disso é a emissão de passagens para deputados licenciados, em afronta à própria norma interna da Casa¿, diz o documento do MP, referindo-se ao uso da cota por atuais ministros. O relatório diz que entre janeiro de 2007 e outubro de 2008, a Câmara gastou com passagens mais de R$ 80 milhões.

¿Só no período analisado, as passagens internacionais consumiram mais de R$ 2,5 milhões. O número é expressivo, já que quando o deslocamento do parlamentar se dá em missão oficial para representar a Câmara (inclusive no exterior), o custeio das passagens é feito com outra verba¿, diz o texto do MP, assinado pelos procuradores Anna Carolina Resende, Bruno Acioli, Carlos Henrique Martins, Daniela Ribeiro e Paulo José Rocha. Se as recomendações à Câmara não forem cumpridas, o MP partirá para ações no Judiciário por improbidade administrativa contra a Casa e deputados que cometeram o abuso, pedindo ressarcimento do valor desviado.

O MP questiona o alto custo dos valores pagos aos parlamentares, considerando os estados de origem. Como Câmara e Senado calculam a cota de seis passagens mensais pelo bilhete cheio (preço mais alto), os valores pagos a um deputado mineiro ou matogrossense, por exemplo, permitem mais de 40 viagens mensais, de ida e volta, a seus estados. Deputados de Roraima recebem o suficiente para 12 bilhetes ida e volta a Brasília. A ideia original das cotas era bancar quatro idas mensais ao estado.

O MP passou a investigar irregularidades cometidas no Senado a partir da divulgação de que a senadora Roseana Sarney (PMDBMA) usou sua cota para levar auxiliares e amigos de São Luís a Brasília. O MP pediu explicações à senadora em 25 de março, mas até agora a procuradora Ana Carolina Rezende não teve resposta. A Mesa do Senado também se reúne hoje para analisar um estudo técnico que propõe a alteração das regras para utilização da cota de passagens aéreas.