Título: Folga para gastar
Autor: Alvarez, Regina; Beck, Martha
Fonte: O Globo, 16/04/2009, Economia, p. 19

Governo reduz esforço fiscal já para 2009 e libera R$40 bilhões.

Pressionado pela queda na arrecadação causada pela crise financeira global e o aumento das despesas, o governo anunciou ontem, já para 2009, uma forte redução do superávit primário, que é a economia feita para pagar os juros da dívida. A meta caiu de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma de bens e serviços produzidos no país) para 2,5%, liberando R$40,25 bilhões para gastos de custeio e investimentos de União, estados, municípios e Petrobras. A estatal está desobrigada, a partir deste ano, de fazer esforço fiscal equivalente a 0,5% do PIB. De acordo com o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2010, encaminhado ontem ao Congresso Nacional, entre o próximo ano e 2012, o superávit será de 3,3% do PIB.

Com a decisão, a Petrobras, principal investidora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), terá cerca de R$15 bilhões a mais para aplicar em seus projetos este ano. As demais estatais continuam obrigadas a economizar. O governo federal, cujo esforço fiscal caiu de 2,15% do PIB para 1,4%, liberou para gastos R$23,2 bilhões. Já estados e municípios terão benefício de R$1,55 bilhão.

Redução da Selic é ponto-chave

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, explicou que a redução do superávit em 2009 foi a forma que o governo encontrou para viabilizar a política anticíclica, que inclui a desoneração de impostos e outras medidas, mesmo com a queda na arrecadação. Mas ele garantiu que a medida não representa risco de descontrole das contas públicas:

- Com os resultados fiscais de 2009 e 2010 mantivemos a sustentabilidade fiscal do governo.

O ministro apresentou projeções para a trajetória da dívida pública já considerando as novas metas de superávit. Segundo a Fazenda, a dívida pública equivalerá a 39,4% do PIB em 2009 - após fechar 2008 a 39,1% -, mas cairá nos anos seguintes, até 31,2% em 2012.

Mantega divulgou também as projeções para o resultado nominal do setor público, que apresenta um déficit de 2,12% em 2009, caindo para 0,76% em 2010, segundo as previsões do governo, mesmo com a economia para o pagamento de juros sendo reduzida substancialmente.

- Entramos em uma trajetória de sustentabilidade da dívida - disse Mantega, fazendo uma comparação com outros países do G-20 (grupo das 20 maiores economias do mundo).

- A projeção de déficit nominal que temos é de 2,1% para 2009, que é a segunda menor de todos os países do G-20 - disse.

Ao ceifar o superávit na reta final do governo Lula, a equipe econômica está contando com a manutenção de uma política monetária flexível por parte do Banco Central (BC). O próprio Mantega destacou na apresentação dos dados que a queda da Selic é uma variável-chave para fechar a equação das contas públicas nos próximos dois anos. Isso deixa a equipe de Henrique Meirelles praticamente na obrigação de não interromper, por um bom tempo, a trajetória de queda nos juros iniciada em janeiro. Quanto menor a Selic, menos o setor público paga em encargos financeiros da dívida - que é o objetivo do superávit primário. A Selic está em 11,25% ao ano atualmente - menor patamar histórico - e o mercado prevê que caia a 9,25% em dezembro.

Para alterar a LDO de 2009, o governo precisará encaminhar ao Congresso um projeto de lei, o que será feito nos próximos dias, segundo o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

Quanto à retirada da Petrobras do esforço de superávit primário, os ministros argumentaram que a empresa só tem 33% de capital da União. Paulo Bernardo lembrou que a estatal está se financiando no exterior para fazer investimentos e Mantega destacou que a nova metodologia segue uma tendência internacional:

- A Petrobras vai poder fazer seus investimentos no pré-sal sem se preocupar em contribuir com o primário. Isso é um avanço na metodologia das contas públicas. Esse é o momento adequado de fazermos essa evolução. O Brasil está preparado e a nossa contabilidade permite.

José Sérgio Gabrielli, presidente da estatal, diz que a decisão é positiva:

- Os investimentos da Petrobras, a longo prazo, acabam gerando um fluxo de caixa que permite aumentar a capacidade de pagamento de dívida. Então, economicamente, a melhor coisa que se pode fazer com o dinheiro da Petrobras é aplicar em projetos que são rentáveis, muito mais do que deixar o dinheiro imobilizado como dinheiro, e a crise financeira mostrou que isso é verdade - disse Gabrielli, que ontem participou do World Economic Forum na América Latina, no Rio.

Superávit pode cair mais em ano eleitoral

Com a retirada da Petrobras do cálculo do superávit para 2009, haverá impacto na dívida pública equivalente a 2,8% do PIB, segundo Mantega. Mantida a regra atual, a relação dívida/PIB fecharia o ano em 36,6%.

O projeto de LDO de 2010 traz outra novidade em relação ao superávit. A proposta autoriza o governo a transferir para o ano seguinte o esforço adicional de superávit realizado em 2009. Assim, se o governo conseguir economizar mais do que os 2,5% este ano, poderá usar a diferença para complementar a meta de 2010, reduzindo, na prática, o esforço no ano eleitoral.

O projeto também reproduz a regra de 2009, permitindo que os investimentos com o Projeto-Piloto de Investimentos (PPI), até 0,5% do PIB, sejam descontados do superávit primário. Se isso for feito, a meta poderá cair para 2% do PIB, na prática, transferindo-se a diferença para compor o superávit de 2010.

Paulo Bernardo disse, que se houver necessidade, o governo fará essa dedução:

- A resposta é sim. É um espaço de decisão do governo. É uma margem de manobra que o governo tem para adaptar suas contas.

As projeções contidas no projeto de LDO de 2010 são otimistas. O governo manteve a previsão de crescimento de 2% para 2009 e espera expansão de 4,5% para 2010.

COLABOROU: Luciana Rodrigues