Título: Para Lula, ideologia não deve impedir estatização
Autor: Almeida, Cássia; Bôas, Bruno Villas
Fonte: O Globo, 16/04/2009, Economia, p. 21

Presidente critica dogma de Estado mínimo e pede ética na globalização, comparando protecionismo a uma droga.

Em discurso de 40 minutos para uma plateia de mais de 500 pessoas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao abrir o Fórum Econômico Mundial na América Latina, defendeu que não haja "preconceito ideológico" na estatização de bancos em dificuldades, pediu uma globalização com ética e comparou o protecionismo a uma droga.

- É necessário salvar bancos e seguradoras para proteger depósitos e a Previdência Social. Mais importante, contudo, é proteger empregos e estimular a produção. Não há exemplo mais eficaz de medida anticíclica. Por isso, a estatização dos bancos em dificuldade, mesmo temporária, não deve ser descartada por mero preconceito ideológico. Não podemos ficar prisioneiros dos paradigmas que ruíram nos últimos meses.

Lula afirmou não querer um Estado empresário, mas indutor do crescimento. E disse que seu governo, apesar de ter adotado políticas econômicas e financeiras responsáveis, "nunca sucumbiu aos dogmas do Estado mínimo".

FH contesta afirmações de Lula sobre Estado mínimo

O presidente reclamou que, nas últimas décadas, faltaram "dirigentes de um Estado que tenha responsabilidade com o povo" e apostou-se que o mercado resolveria tudo:

- Foi essa quase toda a moda política do século XX, de que o Estado não vale nada. Na hora em que os criadores dessa tese veem o calo apertar, quem é que pode salvá-los? Exatamente o Estado, que não valia nada.

Ele defendeu a globalização, mas "com ética, onde as pessoas estejam no centro das preocupações". Sobre as políticas governamentais contra a crise, Lula condenou com veemência o protecionismo:

- É como uma droga que oferece alívio imediato, mas que logo lança sua vítima numa prolongada depressão.

Ao falar no papel dos emergentes na solução da crise, o presidente lembrou que estão todos no mesmo barco:

- A verdade nua e crua é que entrou água no navio. Vocês viram que quando o Titanic afundou, não teve essa de escapar quem estava na terceira classe ou quem estava na primeira, ou seja, quem estava no barco pagou o preço - afirmou Lula, ressaltando que fará qualquer coisa para evitar que o país volte a períodos de estagnação, como os das décadas de 80 e 90.

Também no World Economic Forum na América Latina, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso rebateu algumas declarações de Lula. Ele disse que o Estado não "tem que ser nem mínimo nem máximo", mas sim competente.

- Tamanho não é o problema. O que faz sentido é perguntar para que serve o Estado. Serve para servir o povo. Mínimo, no entanto, o Estado não vai ser nunca. O mundo cresceu muito, tem novas funções. O importante é ser um Estado competente - afirmou, contestando a ideia de que os Estados encolheram no século XX, ao citar como exemplos de expansão União Soviética, China e Brasil.

Ele disse que o Brasil está uma posição melhor que outros países para sair da crise. Fernando Henrique ainda alfinetou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o pacote habitacional. Ele disse que o PAC representa 1% do Produto Interno Bruno (PIB), o que seria a mesma taxa de investimento do país na última década. E afirmou que ninguém sabe o que está "embrulhado" no pacote habitacional.

No painel sobre Drogas e Democracia, Fernando Henrique disse que os países, inclusive o Brasil, precisam combater o crime organizado e não o usuário, uma questão de saúde pública:

- Não estou propondo legalização. Tem de haver repressão, mas precisamos deslocar o paradigma.

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