Título: Nocaute na receita
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 17/04/2009, Economia, p. 19

Governo arrecada R$ 159 bi no 1o- trimestre, pior resultado em 6 anos.

BRASÍLIA Acrise financeira mundial derrubou a arrecadação de impostos e contribuições federais no primeiro trimestre de 2009. Até março, o recolhimento de tributos somou R$ 159,809 bilhões, o que representa uma queda real (já descontada a inflação) de 6,6% em relação a 2008. Em termos nominais, os cofres públicos receberam R$ 1,9 bilhão a menos que no ano passado.

Quando se considera apenas os tributos administrados pela Receita Federal (excluindo a contribuição previdenciária), o montante arrecadado até março chegou a R$ 155,628 bilhões ¿ uma redução de 6,02% sobre 2008. Foi o pior resultado das receitas administradas para os três primeiros meses do ano desde 2003.

Apenas em março, a arrecadação federal foi de R$ 53,261 bilhões, com diminuição de 1,11% sobre 2008, no quinto mês consecutivo de queda nas receitas desde o agravamento da crise, em setembro. Mesmo assim, o coordenador-geral de estudos, previsão e análise da Receita, Marcelo Lettieri, considerou o resultado positivo porque a arrecadação está caindo menos. Em fevereiro, por exemplo, a queda foi de 11% em relação ao mesmo mês de 2008.

Segundo Lettieri, a arrecadação recebeu um reforço das contribuições previdenciárias, cujo recolhimento subiu 10,9% em função do reajuste do salário mínimo. Além disso, houve a entrega da declaração de ajuste das empresas relativa ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Esse documento pode ser entregue até março e diz respeito ao lucro das empresas em 2008.

O acerto de contas resultou no pagamento de R$ 5,837 bilhões em IRPJ e CSLL este ano, contra R$ 3,039 bilhões em 2008 ¿ alta de 92,08%.

Em 2008, as empresas optaram por antecipar a entrega da declaração para janeiro porque tinham dinheiro em caixa e os juros estavam em alta.

Este ano, porém, elas preferiram esperar até março, pois a crise reduziu seu caixa e os juros estão mais baixos para quem deixou para acertar as contas com o Leão mais tarde.

¿ Ainda não dá para dizer que houve recuperação total, mas a arrecadação está caindo menos ¿ afirmou Lettieri, sem querer fazer previsões para as receitas em abril.

Analistas: queda levou à nova meta

No acumulado do ano, os tributos que mais afetaram negativamente a arrecadação foram PIS/Cofins, IRPJ e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Segundo Lettieri, os principais responsáveis pela queda no ano são a redução na lucratividade das empresas (50% em 2008, cujos efeitos são sentidos na arrecadação deste ano), na produção industrial (17% apenas em fevereiro) e as desonerações feitas pelo governo.

Entre janeiro e março, a renúncia fiscal foi de R$ 6,5 bilhões.

¿ Ninguém tem dúvida de que essa é a maior crise na nossa geração.

A dúvida é só se ela é maior que a de 1929. No passado, o governo utilizou instrumentos para combater crises que nós não utilizamos agora, como o aumento da carga tributária. Estamos num conceito de política anticíclica e temos feito desonerações que apresentam repercussões positivas sobre a economia ¿ disse o coordenador.

Para economistas, a queda na arrecadação, combinada com um forte aumento nos gastos com pessoal, foi o que levou o governo a modificar, na quarta-feira, as metas fiscais de 2009 até 2012. Além de retirar a Petrobras do cálculo do superávit primário (receitas menos despesas, sem contar os gastos com juros) ¿ liberando R$ 15,5 bilhões para que a estatal faça mais investimentos ¿, a equipe econômica reduziu a meta fiscal de 2009 de 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) para 2,5%. Já a meta de 2010 a 2012 baixou de 3,8% para 3,3% do PIB.

¿ A retirada da Petrobras do primário é uma medida correta num momento ruim ¿ afirmou o sócio-economista da Mauá Investimentos Caio Megale. ¿ Parece que o governo está mudando a meta como justificativa para gastar mais e de forma ruim.

Ele acrescentou que seria mais eficiente que a equipe econômica tivesse aumentado o Projeto-Piloto de Investimentos (PPI), cujos desembolsos podem ser abatidos da meta, e incluído nele os investimentos que a Petrobras quer fazer.

Segundo o estrategista-chefe do banco WestLB, Roberto Padovani, o problema é a qualidade dos gastos públicos ser muito ruim. Ele defende que a Petrobras tivesse sido retirada da conta do superávit primário com a manutenção das metas fiscais. No entanto, além de desobrigar a estatal de economizar o equivalente a 0,5% do PIB, a União reduziu sua própria meta, de 2,15% para 1,40% do PIB, liberando R$ 23,2 bilhões para gastos. Mas, pelos últimos dados disponíveis, enquanto os investimentos cresceram 13,9% no primeiro bimestre, as despesas com pessoal subiram 25,4%.

¿ O governo tinha que apertar o cinto com os gastos correntes ¿ disse Padovani, para quem a melhor forma de reagir à crise, além de elevar os investimentos públicos, seria reforçar a política monetária.

¿ Reduzir os juros tem muito mais eficiência no sentido de aumentar o crédito e estimular a atividade.