Título: O cidadão está sendo feito de palhaço
Autor: Suwwan, Leila
Fonte: O Globo, 21/04/2009, O País, p. 3

Após duas horas de tentativa, enfermeiro protocola representação contra Câmara e deputado-galã.

BRASÍLIA. O primeiro cidadão a se indignar e bater na porta da Câmara para cobrar respeito com o dinheiro público é enfermeiro de UTI da rede pública em Brasília, casado, pai de dois filhos, com salário de R$ 2.230 mensais. Com o Regimento Interno e a Constituição debaixo do braço, Ivan Rodrigues da Rocha perambulou ontem, ao longo de duas horas, pelos corredores da Câmara, até conseguir protocolar na Mesa e na Corregedoria uma ação de responsabilização contra a omissão da direção da Casa e contra o deputado-galã Fábio Faria (PMN-RN), neste caso pelo uso de sua cota de passagens para a ex-namorada Adriane Galisteu, sua sogra e outras celebridades.

Na semana passada, Ivan disse que recebeu como um ¿tapa na cara¿ a decisão dos presidentes Michel Temer (PMDB-SP) , da Câmara, e José Sarney (PMDB-AP), do Senado, de, em vez de proibir, oficializar os abusos de parlamentares que usam verba pública para levar parentes e amigos em turismo ao exterior.

¿ Não dá para engolir a omissão da Câmara, que deveria fiscalizar e cuidar da imagem da Casa e que nos deve uma resposta. É como uma bofetada na cara de cada cidadão, que está sendo feito de palhaço. Temos que nos mexer, porque a Câmara está brincando conosco. Esquecem a Constituição, que diz que temos o dever de botá-los lá, mas também o poder de tirá-los quando não respeitarem o mandato. Temos mecanismos para pedir que acabe essa baixaria de usar dinheiro público para passear com namorada, mãe e amigos em Paris, Miami e Nova York ¿ protestou Ivan Rocha.

Ele disse que deu o primeiro passo para ver se a sociedade civil acorda e se mobiliza contra o corporativismo e os escândalos com o dinheiro público no Congresso. Ivan diz que é muito difícil ver parlamentares se justificando, como se estivessem gastando dinheiro que lhes pertence, e achando tudo normal.

¿ Fico revoltado quando entro no hospital e não tem um respirador ou um Interferon (medicamento) para manter vivo um paciente terminal. Enquanto isso, os deputados e senadores ficam gastando o dinheiro do povo como água. Há um coleguismo descarado para se protegerem uns aos outros, pouco se lixando para o que o povo sente ou pensa ¿ desabafou.

Ivan disse que, se não tiver uma resposta efetiva da Câmara, pelo menos a abertura de uma investigação contra Fábio Faria na Corregedoria ou no Conselho de Ética, ele vai acionar o Ministério Público: ¿ Agora tem essa história do deputadogalã que namora celebridades e anda para baixo e para cima pagando passagem até para a sogra passear em Miami às custas da Câmara.

Pelo amor de Deus, isso é um escárnio, estão de gozação com a gente, que trabalha duro! Já tivemos um péssimo exemplo do Collor, que era bonitão, fazia e acontecia.

Esse negócio de mega-star com dinheiro público não dá. Chega de ser ludibriado por políticos bonitinhos, que vivem cercados de artistas ¿ disse o enfermeiro.

Segundo ele, quando chegou à Câmara para protocolar sua representação, foi diretamente à Mesa Diretora, pois o regimento diz que a ação pode ser entregue na Mesa.

Ali começou seu calvário.

¿ Eles me fizeram de palhaço lá na Câmara. Andei das 9h às 11h para conseguir protocolar minha representação.

Gozaram da minha cara, me mandavam ir de um lugar a outro, de protocolo em protocolo, para me fazer desistir. Diziam que estava perdendo meu tempo. Realmente perdi a manhã toda. Mas digo ao povo que vale a pena, que percam um dia de trabalho, mas que vá lá cobrar seus direitos.