Título: Otimismo e desconfiança no balanço da cúpula
Autor: Paul, Gustavo; Obarrio, Mariano
Fonte: O Globo, 21/04/2009, O Mundo, p. 23

Para Lula, reunião marcou nova fase entre EUA e vizinhos. Presidente do Peru diz que prevalecerão interesses de cada país.

BRASÍLIA e PORT OF SPAIN. Sem os temidos embates entre os presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e dos Estados Unidos, Barack Obama, a Cúpula das Américas reservou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o papel de espectador da bem-sucedida estratégia de relações públicas americana. Para analistas de política externa, a reunião de Trinidad e Tobago serviu de palco para Obama apresentar suas intenções e com isso desarmou ânimos, ofuscou Lula e os demais líderes. Ciente disso, o presidente brasileiro optou por uma participação discreta.

¿ O presidente Lula é inteligente e esperto e ficou quieto.

Viu que não precisava disputar o foco com Obama, nem rivalizar com Chávez ¿ disse o ex-ministro das Relações Exteriores Luis Felipe Lampreia.

¿ A cúpula foi um palco para Obama fazer sua propaganda, e o resto ficou assistindo ¿ avaliou o embaixador Rubens Barbosa.

Restou ao governo brasileiro marcar posição durante o discurso de Lula no sábado, considerado equilibrado e sem exageros. Nele, foi reafirmada a necessidade do fim do embargo a Cuba, mas foram destacadas as medidas americanas para flexibilizá-lo.

Para Amorim, Unasul foi aceita como fórum por EUA Num encontro sem sobressaltos, observadores consideram a posição brasileira sensata.

¿ Você não fica apagado numa reunião só porque não apareceu nas manchetes. O Brasil adotou uma postura madura ¿ afirmou o ex-embaixador José Botafogo Gonçalves.

Ontem, em seu programa semanal de rádio, Lula disse que os dois dias em Port of Spain representaram uma nova relação entre a América Latina/Caribe e os Estados Unidos.

¿ Acho que nós demarcamos uma nova história de relação na América Latina, sobretudo entre América Latina, Caribe e Estados Unidos. Se os EUA quiserem, têm a chance de fazer um novo capítulo na História, não de ingerência, mas de parceria, de construção de coisas positivas com os países da América Latina e do Caribe ¿ disse o presidente.

Para Lula, era esperada uma ¿batalha campal entre os defensores de Cuba e os que se preocupavam somente com o combate à crise econômica¿, mas a cúpula foi em outra direção: ¿ Ela criou uma nova dinâmica para os relacionamentos na região e eu acho possível uma evolução, a partir daí, nas relações entre os EUA e a América Latina.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ressaltou um outro dividendo. A União de Nações Sul-americanas (Unasul), estimulada pela diplomacia brasileira, foi aceita como um fórum importante pelo governo americano.

¿Com Obama há oportunidade para estabelecer um novo diálogo¿, também disseram, mais ou menos com essas palavras, os presidentes José Manuel Zelaya, de Honduras; Rafael Correa, Equador; e Daniel Ortega, Nicarágua. Até o boliviano Evo Morales terminou abrandando a desconfiança com a qual havia chegado e partiu, junto com os demais, otimista. O presidente peruano, Alan García, foi mais cauteloso: ¿ Os EUA têm interesses definidos por sua história. Têm pontos de vista de democracia e livre comércio que não vão abandonar facilmente. A mudança de pessoas muda o estilo, o discurso, mas os interesses básicos continuam os mesmos. Em algum momento isso pode colidir com a expectativa de quem acha que tudo mudou.

Para a Argentina, a viagem de Cristina Kirchner representou um avanço significativo na questão de empréstimos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial.

Mas faltou algo: uma conversa a sós com Obama. Para a presidente, a concretização dos empréstimos de US$ 1,5 bilhão do BID e US$ 700 milhões do Banco Mundial dependem, em boa parte, da vontade política do governo americano.

Analistas argentinos acreditam que Washington deseja ter boas relações com Buenos Aires, mas ainda desconfia dos Kirchner após as hostilidades que marcaram a reunião anterior, em Mar del Plata, em 2005.

Obama conversou com Álvaro Uribe (Colômbia), Michelle Bachelet (Chile), García e Lula. No México, dias antes, visitou Felipe Calderón. Teve uma reunião com o premier Patrick Manning, de Trinidad e Tobago. E até falou com Chávez, Morales, Correa e a chanceler de El Salvador, Marisol Argueta de Barillas. Para Cristina, foi só um aperto de mão e um par de palavras.

Contam que Chávez, Morales e Correa foram acalmados por Lula e por Raúl Castro, presidente de Cuba, que estava ausente: não deveriam se confrontar com Obama e arruinar a reunião como ocorreu com George W.

Bush, em Mar del Plata. Cristina recebeu a mesma mensagem de Havana. O confronto dificultaria uma abertura em relação a Cuba.

A negociação agora seria diretamente Obama-Raúl e até Lula se retirou da intermediação.

Para Fidel, Obama foi áspero e evasivo sobre embargo A analista venezuelana Elsa Cardoso destaca que a cúpula revelou duas faces do mesmo continente: ¿ De um lado, um punhado de governos que necessita manter o confronto entre o Norte e o Sul do Rio Grande; do outro, o da maioria que entende a urgência e a conveniência de mudar e olhar para o futuro.

De Havana, Fidel Castro demonstrou seu descontentamento na coluna ¿Reflexões¿. Ele disse que ¿Obama foi áspero e evasivo com relação ao bloqueio¿.

O líder cubano lamentou ainda que a cúpula tenha sido a portas fechadas e que nem os representados nem os ¿excomungados¿ pudessem conhecer o tratado: ¿Uma cúpula secreta é pior que cinema mudo. Os donos do espetáculo nos privaram de tão interessante exercício intelectual¿, escreveu.