Título: Poço de irregularidades
Autor: Rosa, Bruno; Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 19/04/2009, Economia, p. 23

TCE vê uso ilegal em 70% dos "royalties" do Rio e fala em "descalabro administrativo"

Ouso de R$1,9 bilhão proveniente do pagamento de royalties e Participações Especiais (PE, taxação que incide nos campos de elevada produção) do petróleo a sete municípios do Rio de Janeiro está sob suspeita. Relatórios do Tribunal de Contas do Estado (TCE), concluídos entre setembro e dezembro do ano passado, apontam várias irregularidades nas contas referentes a 2007 de Campos, Macaé, Rio das Ostras, Cabo Frio, Búzios, São João da Barra e Casimiro de Abreu. Estas prefeituras concentram 70% do total de R$2,7 bilhões recebidos naquele ano por 87 municípios fluminenses. Entre as irregularidades apontadas pelo TCE estão falta de documentação que comprove os gastos, transferência desses recursos para outras contas bancárias e, principalmente, desrespeito ao artigo 8º da Lei 7.990/89, que proíbe o uso para pagar servidores públicos e para abater dívidas.

A distribuição dos royalties para municípios do Rio e de outros estados está em xeque desde que veio à tona, no início do mês, a investigação da Polícia Federal sobre o envolvimento de consultorias privadas em irregularidades no enquadramento feito pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). É este enquadramento que define quanto cada prefeitura vai levar de participação sobre a produção do petróleo.

Campos, que tem a maior arrecadação de recursos do petróleo no país, foi um dos que mais apresentaram problemas. As contas de 2007 receberam parecer contrário do TCE, que as classificou como "descalabro administrativo", no documento assinado pelo conselheiro Jonas Lopes Carvalho, em sessão no fim de setembro de 2008. Em 2008, os relatórios trimestrais não foram enviados para a Câmara dos Vereadores e o TCE. Segundo Ranulfo Vidigal, responsável pelo Centro de Informação de Dados de Campos, a nova gestão, que assumiu este ano, está finalizando os dados de 2008.

- Nos últimos oito anos, a arrecadação foi de R$8 bilhões e não se nota grandes mudanças em infraestrutura. Em 2008, o número de funcionários terceirizados alcançou 16 mil pessoas. Este ano, já reduzimos para seis mil. O que acontece é que, de uma hora para outra, é muito recurso que entra, aumentando a possibilidade de fraudes - diz Vidigal.

O balanço de 2007 de Macaé, segunda maior arrecadação de royalties, recebeu parecer favorável, mas com ressalvas, em dezembro de 2008, pelo conselheiro José Gomes Graciosa, indiciado no inquérito da Operação Pasárgada da Polícia Federal, que apura o recebimento de propinas por servidores. O TCE afirma que o município usou R$156,517 milhões do petróleo para arcar com gastos de pessoal, mesmo tendo sobra de orçamento de R$28,554 milhões. A prefeitura disse que destinou a quantia a pesquisadores da Fundação Educacional.

- Foi uma falha técnica da Secretaria de Planejamento em detalhar as fontes de receitas. Por isso, acatamos a recomendação do TCE, de separar nas contas as diferentes fontes do petróleo - diz Cassius Tavares, secretário de Fazenda de Macaé.

A falta de detalhamento do uso dos royalties é um problema comum aos municípios, que dificulta o TCE a colher provas de irregularidades, já que os relatórios apresentam, em alguns casos, indícios de repasse ilegal e desvio do dinheiro. Os próprios relatórios afirmam que é por isso que os pareceres acabam sendo favoráveis.

Rio das Ostras é um exemplo. Sem a fonte de recursos detalhada, conclui-se que usou R$26,440 milhões de royalties em pagamento de pessoal, segundo o relatório do conselheiro Marco Antônio Barbosa de Alencar.

Dinheiro vai para pagamento de dívida

O secretário de Fazenda da cidade, João Batista Gonçalvez, diz que uma das preocupações da nova gestão é reduzir a dependência dos royalties, que representavam no início do ano cerca de 75% do orçamento. Segundo ele, a prefeitura abriu as contas e mostrou ao TCE que os recursos usados para pagar pessoal eram da PE, que não tem restrições.

- Nós cumprimos o que determina a lei - garantiu Gonçalvez.

No caso de Casimiro de Abreu, o TCE apontou omissão de informação quanto à "transferência irregular" do dinheiro para fundos municipais e para contas que recebem recursos provenientes da arrecadação regular da prefeitura. A prefeitura disse, em nota, que a irregularidade foi da gestão anterior.

Situação parecida aconteceu em Búzios, com transferências de royalties para outras contas. O município, segundo relatório de Jonas Lopes de Carvalho, usou o dinheiro para pagar pessoal. Para o TCE, mesmo que sejam temporários, eles substituem servidores do quadro permanente.

O pagamento de dívidas com royalties também aparece com frequencia, caso de Rio das Ostras e Cabo Frio. São João da Barra gastou R$1,191 milhão com dívidas e outros R$ 2,361 milhões com pessoal. A prefeitura se defende e diz que foi um erro do TCE, por isso as contas tiveram parecer favorável.

Cabo Frio afirmou, segundo o relatório do TCE-RJ, que gastou R$46,962 milhões de royalties com pessoal. Por isso, firmou Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Rio para a realização de concurso. Sobre o gasto com encargos da dívida, o TCE, em processo relatado por Carvalho, diz que houve "troca de moeda", já que o município usou recursos ordinários - ou seja, provenientes da arrecadação regular do município - para pagar as dívidas União, e usou dinheiro dos royalties para custear parte da despesa com educação.

O secretário de Fazenda de Cabo Frio, Clésio Guimarães, explicou que o município já respondeu aos questionamentos do TCE:

- Usamos apenas uma pequena parte no pagamento de pessoal contratado. A maior parte é utilizada em infraestrutura, saneamento e saúde.

O TCE-RJ afirma que sua função é apenas emitir pareceres sobre as contas os municípios. Assim, as contas que evidenciarem "impropriedade" são definidas com ressalvas; já as irregulares apresentam infrações consideradas graves pelo plenário.