Título: Dívida impagável
Autor: Cristino, Vânia; Simão, Edna
Fonte: Correio Braziliense, 22/03/2009, Economia, p. 21

Ciranda dos juros capitalizados coloca mutuários do Sistema Financeiro da Habitação em dificuldades. A solução para o impasse é difícil porque tribunais não possuem jurisprudência sobre esse tema

Alcione Vasconcelos financiou R$ 30 mil para adquirir um imóvel e viu o débito subir para R$ 410 mil Os mutuários do Sistema Financeiro da Habitação, que estão lutando na Justiça para desfazer a capitalização de juros incidentes nos empréstimos, precisam saber que ainda vão travar uma longa batalha. Embora muitos ministros dos tribunais superiores entendam que a capitalização está vedada legalmente, outros defendem a posição de que os juros dessa forma podem ser cobrados, desde que previstos em contrato. Isso significa que ainda não existe jurisprudência e muitos mutuários, que ganharam a causa em primeira instância, podem vir a ter a surpresa desagradável de ver uma reviravolta no decorrer do processo.

O Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec) orienta os mutuários a submeter o contrato à análise de advogados especializados para que possa ser detectada a cobrança abusiva de juros. Para o Ibedec, a jurisprudência está pacificada e é uma questão de tempo até que o mutuário ganhe a causa em última instância. O presidente da entidade que defende os consumidores, Geraldo Tardin, cita a decisão do ministro Teori Albino Zavascki, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em ação movida contra a Caixa Econômica Federal, como uma garantia de que a cobrança abusiva vai ser revista.

Em seu parecer, o ministro diz que a ¿capitalização de juros, vedada legalmente, deve ser afastada nas hipóteses de contrato de mútuo regido pelas normas do Sistema Financeiro da Habitação por constituir convenção abusiva¿. De acordo com Tardin, o abuso pode não ser facilmente detectado pelo mutuário. ¿Nos contratos de financiamento, além da taxa de juros anual nominal, o banco também indica a taxa de juros efetiva, que é maior. Essa taxa efetiva esconde a capitalização de juros, o que faz com que o saldo devedor aumente em até 20% ao fim do prazo contratual¿, explicou.

Segundo Tardin, uma vez constatada a cobrança de juros ilegais, é possível ao mutuário propor ação de revisão do contrato contra o banco, depositando em juízo a parcela que julgar correta. Foi isso o que aconteceu com o funcionário aposentado do Banco Central, Alcione Vasconcelos. Ele comprou um apartamento para a filha em 1990, financiando R$ 30 mil na época pela Caixa Econômica Federal, pelo plano de equivalência salarial, onde as prestações subiam de acordo com o salário, mas o saldo devedor era corrigido pelos juros previstos no contrato, mais atualização monetária.

Apesar de pagar rigorosamente em dia as prestações, Vasconcelos só viu o saldo devedor crescer. Hoje, a dívida está em R$ 410 mil, valor muito superior ao de venda do apartamento de 90 metros quadrados na Quadra 403 Sul do Plano Piloto, que o funcionário aposentado do BC calcula em R$ 250 mil. Apavorado, Vasconcelos procurou ajuda e foi instruído a entrar na Justiça. ¿Dei entrada em 2003 e, desde então, venho depositando judicialmente R$ 50 todo mês¿, contou. Segundo Vasconcelos, quando ele parou de pagar diretamente à Caixa, a prestação estava em mais de R$ 300.

A preocupação do funcionário do BC é que o processo não andou. ¿Não tenho ainda nenhuma decisão do juiz. O processo continua parado na 16ª Vara. Não foi julgado¿. Segundo ele, a última decisão na primeira instância é para que seja feita uma perícia contábil no contrato, para levantar tudo o que ele já pagou e ver o que está faltando para a quitação da dívida.

Questionada pelo Correio, a Caixa informou, por meio da assessoria de imprensa, que nas operações do Sistema Financeiro da Habitação, independentemente do sistema de amortização utilizado, não há ¿cobrança de juros sobre juros¿, vedada pelo Decreto 22.626/33. A Caixa explicou que a cobrança alegada não acontece porque a quitação dos juros é feita no seu respectivo vencimento, sendo parte integrante da prestação mensal. ¿Como os juros são pagos, eles não compõem a base de cálculo dos juros dos períodos subsequentes, inexistindo a capitalização de juros¿, declarou a instituição.