Título: Ministro acusa presidente do STF de 'destruir credibilidade' da Justiça
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 23/04/2009, O País, p. 8

Joaquim Barbosa e Gilmar Mendes batem boca e abrem crise no Supremo; após reunião a portas fechadas, oito ministros assinam nota de apoio ao presidente.

BRASÍLIA. O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) foi ontem o palco de uma troca de desaforos sem precedentes na Corte.

De um lado, o ministro Joaquim Barbosa. Do outro, o presidente, Gilmar Mendes. Joaquim acusou Gilmar de destruir a credibilidade da Justiça brasileira, se expor na mídia e manter ¿capangas¿ em Mato Grosso. Gilmar disse que o colega não conseguia acompanhar as discussões porque faltava às sessões. O diálogo, aos gritos, foi transmitido pela TV Justiça para todo o país.

¿ Vossa Excelência não tem condições de dar lição a ninguém ¿ disse Gilmar.

¿ E nem Vossa Excelência.

Vossa Excelência me respeite, Vossa Excelência não tem condição alguma. Vossa Excelência está destruindo a Justiça deste país, e vem agora dar lição de moral em mim? Saia à rua, ministro Gilmar. Saia à rua, faça o que eu faço ¿ respondeu Joaquim.

¿ Estou na rua, ministro Joaquim. Vossa Excelência está fazendo populismo judicial ¿ retrucou Gilmar.

¿ Vossa Excelência não está na rua, não, Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. É isso ¿ vociferou Joaquim. ¿ Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com os seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar. Respeite.

Ayres Britto tentou conter os ânimos dos colegas O ministro Carlos Ayres Britto pedia calma. Marco Aurélio Mello pediu que a sessão fosse interrompida.

Os protagonistas da discussão não davam ouvidos.

¿ A discussão está descambando para um campo que não se coaduna com a liturgia do Supremo ¿ tentou Marco Aurélio.

Com ironia, Joaquim Barbosa acusou Gilmar de lançar mão de uma ¿tradicional gentileza e lhaneza¿.

O presidente da Corte encerrou a sessão ¿ não sem antes responder à alfinetada: ¿ É Vossa Excelência que dá lição de lhaneza ao tribunal.

Está encerrada a sessão.

O bate-boca teve início no julgamento do recurso apresentado pelo governo do Paraná contra uma decisão do STF de 2006 que considerou inconstitucional a lei que criou o fundo de previdência do estado em 1999. Com isso, muitos servidores que contribuíam com a previdência local perderam o direito à aposentadoria.

No recurso, o estado defendeu que os servidores tivessem direito à previdência até 2006. Gilmar concordou com a sugestão, que iria incluir no pacote de previdência os notários (donos de cartório). Joaquim discordou, alegando que a decisão anterior do STF não levava em conta todas as consequências da medida, com a inclusão dos notários no grupo de beneficiados.

Na sequência, o STF começou a discutir um julgamento de 2005, que considerou inconstitucional lei de 2002 que dava foro privilegiado a ex-autoridades.

Ontem, Joaquim sugeriu que o fim do foro privilegiado passasse a valer a partir de 2005, e não de 2002, quando a lei fora promulgada.

Gilmar acusou o colega de incoerência.

Depois do bate-boca, a crise se instalou. Joaquim foi embora sem falar com ninguém. Gilmar convocou reunião a portas fechadas com os ministros. Ellen Gracie, que não fora ao tribunal, foi a única ausente. Depois de três horas, os ministros divulgaram nota de apoio a Gilmar.

O documento é assinado por oito ministros: Cezar Peluso, Ayres Britto, Marco Aurélio, Carmen Lúcia, Menezes Direito, Celso de Mello, Eros Grau e Ricardo Lewandowski. Todos, com exceção de Gilmar, Joaquim e Ellen Gracie. ¿Os ministros do Supremo Tribunal Federal que subscrevem esta nota, reunidos após sessão plenária de 22 de abril de 2009, reafirmam a confiança e o respeito ao senhor ministro Gilmar Mendes na sua atuação institucional como presidente do Supremo, lamentando o episódio ocorrido nesta data¿, diz a nota.

Na reunião, Gilmar queria aprovar nota de repúdio a Joaquim Barbosa. Carmen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Ayres Britto se recusaram. Só aceitariam assinar nota se não houvesse menção ao nome do colega. O texto foi negociado na tentativa de reforçar a defesa institucional do STF na figura do presidente da Corte. A sessão de hoje no Supremo foi cancelada