Título: Escola de cinismo
Autor: Machado, Antônio
Fonte: Correio Braziliense, 22/03/2009, Economia, p. 27

Escândalos como o do Senado são didáticos porque expõem entranhas do Estado, não só do Congresso

A lavanderia de roupa suja aberta no Senado devido a interesses contrariados dos próprios senadores em sequência à eleição do ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) para dirigir a Casa, derrotando o senador Tião Viana (PT-AC), vai ser fechada a pedido do governo e dos parlamentares em geral. Pena: escândalos como este têm o papel didático de expor as entranhas do Estado, não apenas do Congresso.

Como constatou Otto von Bismarck, responsável pela unificação da Alemanha no século 19, ¿quanto menos as pessoas souberem como se fazem as salsichas e as leis, melhor elas dormirão à noite¿.

O que menos se deseja em Brasília é despertar a sociedade de seu sono de bebê ¿ e, assim, logo se vai esquecer que o Senado emprega 181 diretores, embora tenha 81 senadores, enquanto na Câmara, mais modesta, se é que caiba o adjetivo, são 104 para 513 deputados.

Meia dúzia de diretores para cada Casa faria todo o serviço. Mas essa é a questão para amplos setores do Estado, especialmente nas casas legislativas: fazer o serviço. Aí é mais difícil. Conforme o conselho do marechal Rondon, aprendido na lida para levar os fios de telégrafo aos sertões, se doze homens não erguem um poste, com oito ele sobe. No Estado, costuma haver sempre mais, embora mais gente não implique melhores serviços, eficiência maior, o básico.

A necessidade de braços responde mais às deficiências da própria estrutura funcional dos poderes que às necessidades dos serviços prestados. Pegue-se a Justiça do Trabalho, algo bem nacional, já que supérflua em outros países. Ela vive atravancada. Produto de excesso de conflitos trabalhistas ou de legislação mal formulada?

A dúvida é pertinente. Como admitiu quando presidia o STF o hoje ministro da Defesa, Nelson Jobim, um dos constituintes de 1988, à falta de consenso entre os legisladores sobre certo assunto faz-se o acordo redigindo-se a lei de modo dúbio, deixando para a Justiça dirimir, se acionada, a intenção do legislador. Talvez venha daí a tendência de o Judiciário legislar ao apreciar temas polêmicos ¿ e são muitos. Não o faz para desafiar as prerrogativas do Congresso, mas precisamente porque ele não as exerce.

É obvio que tudo isso vai exigindo mais gente, embora a demanda decorra de inépcias funcionais e institucionais da área pública, não da intenção de servir a sociedade, como diz o presidente Lula. A preocupação de Lula é correta. A solução é que é discutível. No fim, é o inchaço que fragiliza os poderes, submetendo-os cada vez mais a purgações periódicas, como a atual envolvendo o Senado.

Gigantismo sem causa O tumulto da vez caiu na graça popular pelo que havia de bizarro nas diretorias descobertas, como a de diretor de garagem, de ata, de anais, de coordenação de rádios de ondas curtas. De aspones... Não. Esta não havia. Se houvesse, seria uma diretoria redundante.

Tudo no Congresso é grandioso, do número de empregados, 28,6 mil, incluindo terceirizados, ao orçamento de gastos ¿ R$ 6 bilhões ao dispor de 594 parlamentares, entre deputados e senadores, R$ 10 milhões de custo per capita, 48 servidores em média para cada um. Tais números não se refletem na qualidade da produção legislativa.

Jogo de cena em ação Agora, começa o jogo de cena. O primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI), espécie de executivo-chefe da Casa, anunciou a exoneração de 50 dos 181 diretores. Mas alto lá! Não haverá demissões, só o fim da diretoria e do que motivou a farta distribuição dessa espécie de comenda: as gratificações de função.

Apanhados no pulo, os senadores alegam desconhecimento, como fez o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), distraído, pois tais diretorias estão na lista telefônica interna do Senado. Já Sarney aguarda uma auditoria da Fundação Getúlio Vargas para entender o problema.

É tudo pelo social? O caso é simples: há gente demais a serviço dos parlamentares, que também são muitos, conforme comparação entre cem países feita pelos economistas franceses Robert Gari-Bobo e Emmanuelle Auriol, sob o título ¿Sobre o Número Ótimo de Representantes¿ ¿ publicada pela coluna em julho de 2008. Eles analisaram fatores como renda, população e diversidade étnica. Constataram que parlamentos obesos se relacionam com corrupção e atraso social. Pelo estudo, no país há excesso de 130 parlamentares federais. O custo de manutenção em relação à renda per capita passa de 660 vezes. Na Austrália, vai a 100 vezes, nos EUA, 210. Isso é que seria ¿tudo pelo social¿?

O Estado privatizado O problema do gigantismo do Estado é a dificuldade em controlá-lo, não bem riscos à liberdade, o senso da crítica liberal. O que se vê são setores inteiros privatizados e submetidos a demandas da esfera privada, como partidos, frentes sociais, grupos econômicos. Agências e bancos de desenvolvimento regionais são capturados por partidos em nome de interesses econômicos, que não necessariamente são os da região, embora possam coincidir. E isso se faz no âmbito das coalizões de apoio ao governo de turno. Ilícito não é, mas sem transparência há o risco de vícios, e pior fica com a cumplicidade da burocracia, uma das causas das mordomias no Congresso.