Título: Brasil ajuda Argentina e dá crédito de US$ 1,5 bi
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 24/04/2009, Economia, p. 19

Medida vai facilitar operações de empréstimos ao país vizinho. Em Buenos Aires, Lula critica FMI

BRASÍLIA, SÃO PAULO, BUENOS AIRES e WASHINGTON. Sem crédito no mercado externo desde 2001, devido à moratória decretada pela Casa Rosada no auge de uma crise política e econômica, a Argentina foi beneficiada ontem pela ampliação do limite do Convênio de Pagamentos e Crédito Recíproco (CCR) com o Brasil, de US$ 120 milhões para US$ 1,5 bilhão. O sistema é usado para garantir empréstimos e outras operações de financiamento realizados por 12 países latinoamericanos, com cobertura dos seus bancos centrais.

Na prática, o limite maior visa a assegurar a ampliação do comércio e novos investimentos por instituições públicas e privadas na Argentina.

Um exemplo é o empréstimo no valor de US$ 700 milhões do BNDES à Embraer, cujo foco é a compra de 20 aviões MB 190 pela Aerolíneas Argentinas.

Segundo um técnico da área econômica, o empréstimo já estava aprovado, mas estourava o limite de garantia do CCR, impedindo outras operações. A liberação dos recursos do BNDES será feita proporcionalmente à entrega das aeronaves e deve levar cinco anos. Já o prazo de financiamento é de 12 anos. Sem dar explicação adicional, o Banco Central divulgou, à noite, nota esclarecendo que a medida ¿vai incrementar as relações comerciais entre Brasil e Argentina¿. A implantação do novo limite, destacou o BC, será imediata.

`Temos de criar as nossas normas¿, diz presidente O anúncio da medida coincidiu com a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Argentina.

E foi um dos temas discutidos por ele com Cristina Kirchner.

Além disso, os presidentes dos BCs argentino e brasileiro, Martín Redrado e Henrique Meirelles, fizeram avaliação positiva sobre o Sistema de Pagamentos em Moeda Local (SML), adotado pelos dois países como opção ao dólar. O próximo passo é viabilizar financiamentos em reais e em pesos para transações comerciais bilaterais, outra razão para subir o limite do CCR.

Em almoço com a presidente argentina, Lula criticou as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), de que a economia brasileira vai encolher 1,3% este ano. Ele assegurou que, ¿se fossem tão fiscalizadores das finanças mundiais como foram da Argentina e do Brasil, saberíamos da crise três anos antes¿.

¿ Agora já começam a dizer quanto a Argentina vai crescer, quanto o Brasil vai crescer. Não quero ser desrespeitoso com ninguém, mas quero dizer algo: o Brasil só deu certo quando foi dono do seu nariz, quando não aceitou que pessoas de fora dissessem o que a gente devia fazer ¿ afirmou Lula, aplaudido por Cristina e por empresários, sindicalistas e políticos presentes.

Segundo o FMI, o Brasil só voltará a crescer em 2010, e 2,2% (a estimativa anterior era de 3,5%). O Ministério da Fazenda, por sua vez, já admite que o país fechou o primeiro trimestre deste ano em recessão, embora projete um crescimento em 2009, na contramão do Fundo.

Lula afirmou que a crise representa uma ¿oportunidade fantástica para a gente fazer, de forma ousada, tudo aquilo que não fazíamos antes porque tinha normas de Basiléia, normas do FMI, do Banco Mundial. Essas normas foram boas para um momento, para alguns países significou sua falência. Agora temos de criar as nossas normas, para isso fomos eleitos¿.

¿ Essa crise nós venceremos juntos ¿ enfatizou Lula, que propôs a criação de normas regionais para substituir aquelas impostas por décadas pelos organismos internacionais e disse que chegou a hora de a região começar a falar ¿em pós-crise¿.

¿ A integração é a melhor, a maior e a mais eficaz oportunidade de sair dessa crise, infinitamente mais fortes.

Mantega pedirá explicações a Strauss-Kahn por bancos Em visita a Washington para a reunião de FMI e Banco Mundial, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, mostrou-se irritado com a declaração do diretor-gerente do Fundo, Dominique Strauss-Kahn, de que os bancos latino-americanos ficarão enfraquecidos se a crise durar muito.

¿ Vou me reunir com Strauss-Kahn e cobrar dele explicações.

Certamente ele não está falando dos bancos brasileiros.

Se falou, vou esclarecer, porque ele está totalmente equivocado.

Falar de banco da América Latina é falar dos bancos brasileiros, que estão absolutamente sólidos, como venho dizendo há meses.

Para Mantega, Strauss-Kahn pode ter cometido ¿algum deslize de linguagem¿. Em São Paulo, Meirelles, do BC, também minimizou as projeções do FMI: ¿ Em relação aos órgãos internacionais, vamos continuar olhando com toda a seriedade, mas eles não são exatamente os maiores especialistas em cada um dos países, especialmente daqueles que estão fora do epicentro da crise.