Título: Salvei a minha vida
Autor: Shuña, Carlos Novoa
Fonte: O Globo, 24/04/2009, O Mundo, p. 22

Líder oposicionista venezuelano Manuel Rosales diz que Chávez queria matá-lo na prisão

ENTREVISTA Manuel Rosales

Numa de suas primeiras entrevistas desde que pediu asilo ao Peru, o líder oposicionista venezuelano Manuel Rosales afirma que o governo do presidente Hugo Chávez pretendia matá-lo, e que as acusações contra ele são falsas e já tinham sido arquivadas pela Justiça, mas foram retomadas por decisão política. Além disso, ele estaria sendo perseguido pela polícia política de Chávez, mesmo sem que houvesse um mandado de prisão contra ele.

Depois de semanas escondido na Venezuela, Rosales, que é prefeito de Maracaibo, fugiu para Lima no início desta semana.

Ele é presidente de um dos principais partidos da oposição venezuelana, o Um Novo Tempo, e foi o candidato oposicionista único nas eleições presidenciais de 2006, vencidas por Chávez.

Rosales, cujo paradeiro na capital peruana é desconhecido, combinou que a entrevista seria realizada num local não revelado com antecedência, com a equipe de reportagem sendo levada para um escritório por aliados do prefeito da segunda maior cidade da Venezuela.

A entrevista foi realizado pelo jornal peruano ¿El Comercio¿, membro do Grupo de Diários América, do qual O GLOBO faz parte.

Ontem, a Interpol, atendendo pedido do governo venezuelano, emitiu um ¿alerta internacional¿ para a captura de Manuel Rosales.

Carlos Novoa Shuña

Do El Comercio/GDA ¿ LIMA

O que o levou a sair de seu país e buscar asilo político?

MANUEL ROSALES: Vivi nos últimos dias na Venezuela uma situação perigosa, devido a uma caçada lançada contra mim por razões políticas, ainda que queiram disfarçar as coisas e dizer que cometi irregularidades durante a minha gestão como governador do estado de Zulia.

E o senhor não cometeu irregularidades? ROSALES: Em 2000 fui eleito governador, e Chávez, presidente. Desde então, começou uma perseguição contra mim. Pouco antes das eleições regionais de 31 de outubro de 2004, o governo se deu conta de que eu estava na frente, e os dirigentes governistas montaram um show e lançaram uma série de denúncias contra mim, sobre supostas propriedades, dinheiro etc..

Fala-de um desequilíbrio patrimonial...

ROSALES: Explico. Venci as eleições de Zulia e comecei a trabalhar. Enquanto isso, continuava a investigação, que durou um ano e cinco meses.

Em 18 de janeiro de 2006, o Ministério Público decretou o arquivamento. Ou seja, encerrou o caso, porque não havia nada contra mim.

Para as eleições de 2008, quando concorri à prefeitura de Maracaibo, e os governistas perceberam que eu ia vencer, reabriram a investigação contra mim sobre algo que já fora julgado.

Pretendiam me desqualificar, e um informe indica que há um desequilíbrio no meu patrimônio e que não justifiquei 147 mil bolívares, uns US$ 23 mil, em três anos de investigação.

Como justifica o desequilíbrio patrimonial?

ROSALES: Tenho umas terras, cujo primeiro lote comprei em 1975. Hoje, são 318 hectares em Zulia. Além disso, desde 1975 tenho o registro do gado. Nada de grande dimensão porque me dediquei à política. Estes US$ 23 mil são a renda que obtive em três anos na minha atividade agropecuária, tudo está registrado, paguei os impostos. Mas aqueles que me investigam não querem reconhecer estes documentos.

Declarei os pagamentos e paguei os impostos. De modo arbitrário, dizem que não paguei os impostos. É uma artimanha porque pretendem me desarticular politicamente.

Em que momento decidiu deixar seu país?

ROSALES: No dia 27 de março fui a um programa do canal Globovisión e, quando a entrevista terminou, me disseram que a Globovisión estava cercada por agentes da polícia política, da polícia militar e que todos os carros estavam sendo revistados porque estavam à minha busca. Consegui escapar. Havia três veículos: um meu, outro da minha escolta e um terceiro com dirigentes que me acompanham. Despistamos os policiais.

Demos instruções para que esta caravana (os três carros) saísse velozmente, e os policiais os seguiram. Aproveitei para sair com o deputado Ismael García. Me escondi numa casa de família e começamos a averiguar. Não havia ordem do tribunal nem ordem do Ministério Público, mas grupos de policiais estavam me procurando, com os cubanos que sempre acompanham estas forças. Isso ocorreu durante dias. Faziam buscas no hotel em que me hospedava, procuravam-me em aeroportos. Suspeitava de que podia ocorrer algo ruim, porque não havia uma ordem normal.

Houve troca de tiros entre minha escolta e eles.

Então, com meus companheiros políticos, decidi deixar o país, pois o cerco era muito forte.

Se o senhor fosse à audiência da segundafeira passada, acredita que seria preso? ROSALES: Pensava em ir, mas a sentença que tinham preparado vazou. Iriam me mandar para uma prisão chamada La Planta, que tem condições desumanas. Há celas para três ou cinco pessoas com 20 detentos. Queriam me prender lá simplesmente para que me matassem. Saí da Venezuela para proteger minha integridade física, porque podiam me matar e depois dizer que briguei com eles, ou podiam dizer que estava fugindo pela fronteira. Salvei a minha vida.

Por que escolheu o Peru?

ROSALES: Porque o Peru tem tem sido um baluarte dos direitos humanos, políticos e de asilo.

Viemos para o Peru porque cremos nas suas instituições.

Este não é um problema do Peru, de partidos políticos, nem do governo do Peru, nem do Parlamento do Peru, nem da Justiça do Peru.

É um problema de direitos políticos e humanos.

O senhor acredita que sua decisão de sair da Venezuela o anula politicamente? ROSALES: Não. Pelo contrário, houve uma grande reação positiva no país quando souberam que eu tinha salvado a minha vida.

O que diria a seus detratores no governo e a quem o criticou por não comparecer à Justiça?

ROSALES: Que se cuidem. A História mostra que todos estes autocratas, gente de pensamento militarista e totalitário, terminam arremetendo até contra seu círculo mais próximo.

Não quero falar muito sobre política venezuelana.

Fiz um discurso para a Venezuela, mas assistiram aqui. A ideia era falar com a Venezuela.

Não vim fazer política no Peru, nem penso perturbar as relações entre Venezuela e Peru.