Título: Virou praxe na política a tese de que a coisa pública é coisa de ninguém
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 26/04/2009, O País, p. 4

O CONGRESSO MOSTRA SUAS ENTRANHAS: Para eles, sistema eleitoral agrava vícios

Cientistas políticos avaliam regras, ética parlamentar e briga no Supremo

SÃO PAULO. O debate sobre o uso indevido de recursos públicos por parte dos parlamentares fica no meio do caminho entre a ausência de regras normativas e a falta de ética, afirmam cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO. Seja no caso da farra das passagens aéreas ou nos cabides de emprego sustentados com as verbas indenizatórias, o fato é que a falta de cerimônia na apropriação de dinheiro do contribuinte para aumentar o patrimônio pessoal parece ter se transformado, dizem os analistas, num vício entre legisladores brasileiros, fomentado pelo sentimento de impunidade.

- Esses últimos acontecimentos refletem um vício antigo que passou a ser tratado dentro da normalidade, o que é perigoso. A tese de que a coisa pública é coisa de ninguém se transformou em praxe na política - analisa o cientista político Dalmo Dallari, para quem a publicidade dos escândalos pode ajudar a conter a onda de corrupção no Congresso. - A divulgação deve refletir diretamente nas bases eleitorais, e aí sim eles (os parlamentares) sentirão o baque - completou.

O "casamento" entre os problemas institucionais e éticos ajuda a revelar uma situação sombria no Congresso, segundo o presidente do Centro de Estudos e Pesquisa da Comunicação (Cepac) e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Rubens Figueiredo.

- A absoluta falta de normas cria um problema institucional. A falta de cerimônia dos parlamentares no uso de recursos públicos cria um problema ético. Quando conjugamos esses dois fatores com uma opinião pública pouco escolarizada, com a banalização dos escândalos e com a falta de consequência em relação aos atos de quem infringiu a lei, chegamos a essa situação lamentável - diz Figueiredo, lembrando que a impunidade provoca a ousadia dos infratores.

Há também quem acredite que o foro privilegiado de deputados e senadores, no caso do Congresso, ajuda a fortalecer o crime na política.

O sistema eleitoral vigente é visto como agravante. Para Figueiredo, quando o parlamentar renuncia ao cargo diante das denúncias e volta à vida pública na eleição seguinte, já cooptando outras bases eleitorais, cria jurisdição perigosa.

- O Congresso vira a casa dos infratores.

Outro assunto que dominou a atenção dos analistas foi a áspera discussão entre o presidente do STF, Gilmar Mendes, e o ministro da Corte Joaquim Barbosa. Para os cientistas políticos, o fato jogou gasolina na fogueira das vaidades e arranhou a imagem do Judiciário. Para Roberto Romano, da Unicamp, a busca pelo aplauso leva a choques inevitáveis entre os magistrados.

- À semelhança de outras instituições que envolvem complexos interesses coletivos, grupais, individuais, no STF os ministros, ao revestirem a toga, não perdem suas paixões, interesses, alvos pessoais e compromissos com os mais diversos setores da ordem social. Se tomarmos um a um os magistrados, chegaremos a um novelo de tendências, simpatias, antipatias. Não podemos deixar de lado a competição de todos os juízes na busca de aplauso dos atores sociais.

Já Dallari considerou lamentável a discussão, que, para ele, põe em xeque a imagem de que o juiz deve ser uma pessoa equilibrada:

- É esse o modelo que a sociedade espera deles.

Para Dallari, Gilmar Mendes, "conhecido por sua conduta agressiva", não tinha direito de desrespeitar Joaquim Barbosa:

- E Joaquim Barbosa não poderia ter dado resposta no mesmo nível.