Título: Viajando em nome de um morto
Autor: Vasconcelos, Adriana; Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 25/04/2009, O País, p. 3

MADRI. No início de 2007, eu e minha mulher fomos vítimas das transações ilegais de uma das agências de viagens que atuam no mercado paralelo de passagens aéreas da Câmara. Em outubro de 2006, planejando passar o feriado de Finados com minha então namorada em Salvador, compramos passagens pela Gol, mas não conseguimos embarcar por causa da confusão nos aeroportos gerada pelo motim dos controladores de voo, em meio à crise aérea no país. Depois de esperar quase 16 horas no terminal de Brasília, decidimos mudar o roteiro e passar o resto do feriado no Rio, comprando passagens de outra companhia.

Ao voltar à capital federal, pedimos à Gol o ressarcimento das passagens não utilizadas por motivo alheios à nossa vontade. No fim de dezembro, a companhia concordou em nos creditar o valor total dos bilhetes para a Bahia. A Gol afirmou, por telefone, que depositaria o valor na conta da Brasiliense Travel, agência de Brasília em que nós havíamos comprado os bilhetes.

Na primeira semana de janeiro de 2007, pedimos à Brasiliense Travel que emitisse novos bilhetes para Salvador, no fim do mês, pouco antes do carnaval. Após muita confusão, funcionários da agência ¿ com sede na cidade satélite de Taguatinga e com postos em shoppings e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ¿ confirmaram por telefone que os bilhetes seriam emitidos na data que pedimos.

A empresa informou que utilizaria crédito de outros clientes para liberar nossas novas passagens, já que a Gol ainda não teria devolvido o crédito dos nossos voos. Questionamos o procedimento, mas ouvimos que a operação era praxe na agência, que era apenas uma questão contábil da empresa com sua carteira de clientes.

Nossas passagens de volta de Salvador foram emitidas na TAM, em nossos nomes. Já os bilhetes de ida eram da Gol, e foram emitidos em nome do gabinete do deputado Helenildo Ribeiro (PSDB-AL), conforme e-mail de confirmação da companhia. Ao saber disso, questionamos novamente a agência, chegamos a propor outras soluções para não utilizar essas passagens emitidas em nome de um gabinete oficial, mas os funcionários da Brasiliense reforçaram que se tratava de procedimento normal e de rotina.

Cansados da dor de cabeça, aceitamos, pois realmente tínhamos o crédito da Gol. Não conhecíamos o deputado, mais um do chamado baixo clero. Voamos e esquecemos o caso.

Nos últimos dias, já em Madri, onde faço um curso de seis meses, me lembrei do fato ao ler as notícias sobre a farra das passagens. Ao localizar os bilhetes, percebi que a Brasiliense Travel havia nos enganado deliberadamente, pois emitiu as passagens em nome de um deputado que já estava morto na época, o que, obviamente, não sabíamos. O deputado morreu em 21 de dezembro e a passagem foi emitida no mês seguinte.

Ontem, O GLOBO tentou sem sucesso contatar a empresa, que não opera mais em nenhum dos três endereços que mantinha em 2006 nem está cadastrada no Ministério do Turismo. O site também foi desativado. Localizamos o celular do exsócio da agência, que se identificara como Wesley, mas ele desligou ao ser perguntado do caso. Percebi assim que, mesmo pagando pela passagem, eu e minha mulher fomos vítimas de um golpe.

Henrique Gomes Batista é repórter da sucursal de Brasília do GLOBO e participa de um curso na Espanha.