Título: Sangria no FGTS
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 29/04/2009, Economia, p. 23

Com desemprego em alta, saques superaram depósitos no Fundo em R$440 milhões em março.

Aonda de demissões de trabalhadores com carteira assinada no país na esteira da crise internacional - que pôs na rua quase 800 mil pessoas entre novembro e janeiro - levou o FGTS a fechar as contas no vermelho em março. Segundo números a que O GLOBO teve acesso, a arrecadação de R$4,36 bilhões no período foi insuficiente para cobrir os saques de R$4,8 bilhões, gerando o primeiro rombo de 2009, de R$440 milhões. No mesmo mês de 2008, houve superávit de R$413 milhões.

Segundo especialistas, o dado é preocupante diante das previsões de aumento do desemprego nos próximos meses devido à queda do ritmo da atividade econômica. Embora o FGTS disponha de dinheiro suficiente para pagar a todos os trabalhadores com conta, o saldo da arrecadação ajuda a montar o orçamento que o Fundo libera todo ano para habitação e saneamento, setores dos quais é o maior financiador do país.

Do total de saques em março, R$3,2 bilhões (66%) foram por demissões sem justa causa. Em seguida, aparecem outros motivos, como aposentadoria (R$500 milhões, ou 10,4% do total) e compra da casa própria (R$300 milhões, ou 6,3%).

- Numa situação de aumento do desemprego, se esta situação persistir por um longo período, o FGTS poderá ter problemas de disponibilidade de recursos - afirmou José Márcio Camargo, professor do Departamento de Economia da PUC-RJ.

Ele lembrou que a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE mostrou que em março não foi gerada ocupação nas seis maiores regiões metropolitanas do país. Isso, explicou, é indicativo de que o desemprego deve subir e poderá chegar a dois dígitos nos próximos dois ou três meses. A taxa hoje está em 9%.

Retiradas somam R$12 bi no trimestre

Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho também revelam que o país está gerando poucos empregos: em fevereiro e março foram criados apenas 43,9 mil postos, após uma perda de 40,8 mil em novembro, 654,9 mil em dezembro e de 101,7 mil em janeiro.

Leonardo Rolim, consultor de Orçamento do Congresso nas áreas de Trabalho e Previdência, destacou que o FGTS tem sido utilizado pelo governo para subsidiar casas populares. Vai entrar, por exemplo, com R$7,5 bilhões no programa "Minha Casa Minha Vida", que tem como meta construir um milhão de casas. Além disso, o Fundo virou fonte de recursos para o setor de infraestrutura, com previsão de R$17 bilhões de investimentos retirados do seu patrimônio líquido (sobra após reserva para obrigações).

- O FGTS reflete a realidade do mercado formal. Se essa tendência continuar, significa que a economia não saiu da crise. Ao contrário, a situação pode se agravar - alertou Rolim.

Segundo dados da Caixa Econômica Federal, gestor do FGTS, no primeiro trimestre deste ano o total de retiradas atingiu R$12,6 bilhões, contra R$9,5 bilhões no mesmo período de 2008, aumento de 32%. Em janeiro, a arrecadação líquida ficou positiva em R$1,5 bilhão e em fevereiro, em R$345 milhões.

O impacto das demissões na contas do Fundo somente ocorreu em março porque há uma defasagem entre a data de entrega da documentação na Caixa e o saque do saldo por parte do trabalhador demitido.

Segundo fontes do Conselho Curador do Fundo, os dados de março eram esperados. Porém, afirmam, a situação é de alerta. Embora o FGTS tenha registrado um resultado mensal negativo no ano passado, disse ao GLOBO um conselheiro, a situação era diferente porque o mercado de trabalho vinha em franca expansão.

Um dos fatores futuros de pressão, além do desemprego, é o aumento de R$350 mil para R$500 mil no valor de avaliação dos imóveis nas linhas de financiamento habitacional com recursos do FGTS, autorizado em março. De acordo com simulações da Caixa, o impacto seria de R$ 2 bilhões neste ano.